Ano de Eleição.

Fim de abril na casa do seu Epaminondas, senhor tranqüilo de 75 anos, lúcido, patriota - ufanista para ser mais exato -, conhecedor dos seus deveres e principalmente dos seus direitos. Foi soldado do Exército na época da 2ª Guerra Mundial, mas, por motivos maiores - que ele até hoje desconhece-, não se juntou aos Pracinhas na campanha brasileira contra o regime fascistas vigentes no velho continente.

Avô de cinco belas crianças, passa a maior parte do seu dia conversando, brincando e ensinando moral, cívica e bons costumes aos netos. Nunca faltou uma eleição, e, tem orgulho de dizer que votou no Getúlio Vargas na campanha presidencial de 1945. Certo dia, nosso simpático e corretíssimo senhor, foi passear nas ruas do bairro - para ver as modas e as moças, como gostava de dizer-, e assim inicia-se nossa história.

Seu Epaminondas era conhecido por todos do bairro, velhos, adultos, crianças, todos faziam questão de falar com ele quando passava. Os seus passeios, eram cada vez mais raros, devido uma deficiência na perna esquerda - resultado de um acidente no quartel-, por isso, as pessoas faziam muita festa ao vê-lo, caminhando bem devagar, em companhia da ajudante que fora contratada pela família. Uma vez, andando próximo à quitanda da Dona Josefa, - portuguesa das mais típicas, que trabalhava de sol a sol afim de custear os estudos do seu único filho-, o nosso festejado senhor fez questão de parar e trocar algumas palavras com a viúva; ao entrar no estabelecimento, ela o recebe com grande festa ao dizer:

- Caro Epaminondas, a que devo tão honrosa visita?

- Oras Josefa, se cá estou, é porque somos amigos de longas datas!

- Sim, de fato o somos, mas, fazia muito tempo, que não o via andar por aqui ‘opá’ .

-Verdade, entretanto, eu sempre perguntava por você, e mandava-lhe lembranças. Não as recebeu?

-Não! Por quem mandastes?

-Pelo meu neto, mais velho, o Pedro Lucas. Deixe estar que mais tarde, pego aquele moleque no corretivo.

E assim passaram longos minutos falando da vida, e atualizando-se dos novos fatos do bairro.

Um dia em sua casa, cercado pelos netos, seu Epaminondas lembrou que aquele ano, era ano de eleições municipais, e, como de costume, reuniu seus cinco filhos num domingo de muito sol para um almoço pré-eleições. Antes de mais nada, ele começava a falar do seu tempo, e se queixava que as pessoas não mais se preocupavam com política, que as ideologias foram deixadas de lado, que os livros não eram lidos, pois a televisão passou a ocupar o papel de educadora dos lares atuais. No fim, sempre perguntava a cada um de seus filhos, se eles já tinham seus candidatos e qual era a justificativa que os levavam a votar em tal político. O papo era sempre descontraído, com respeito e sem nenhuma ofensa no tocante ideologia política; a única coisa que o seu Epaminondas não admitia, era um dos seus filhos, votar em alguém por falta de opção.

O ano foi passando e eis que se aproximava o dia do pleito. Um dos netos do nosso militar da reserva – Pedro Lucas-, estava apto - na idade -, a participar da eleição mas, não estava com nenhuma vontade, de se preocupar com os candidatos; o que ele gostava mesmo era de futebol. Um domingo antes das eleições, seu Epaminondas chamou o neto para ter uma conversar sobre política, candidatos, esquerda, direita, centro, o menino, nada contente com a história, estava impaciente, pois, o seu time estava classificado para as fases finas do campeonato nacional, e naquele dia teria uma partida decisiva. O avô como sempre, tomou a palavra e começou a discorrer sobre como era no seu tempo, como as pessoas eram politizadas, como os jovens eram engajados na causa política e toda aquela história peculiar dos saudosistas. Ao perceber a impaciência do neto, perguntou:

-O que tens menino? É o nervosismo de participar de uma eleição pela primeira vez?

O jovem, já sabendo como era o seu avô, pensou muito antes de falar, mas não teve jeito, falou:

-Não vô! Na verdade, estou nervoso sim, mas é com outra coisa.

-E o que é meu filho?

-É que o meu time está nas quartas de finais do campeonato, e hoje, nós temos um jogo de vida ou morte!

-Como?! Eu aqui explicando a importância de se ter uma consciência política, de como escolher bem um candidato e você nervoso com o jogo de futebol?

-Oras vô, votar é a coisa mais fácil do mundo, é só levar os números anotados no papel, ou melhor, é só pegar um papel que sempre é distribuído na porta das seções eleitorais, chegar na cabine de votação, apertar os botões e pronto.

Ao ouvir aquilo, seu Epaminondas quase teve um infarto no miocárdio. Inflamado de indignação e vergonha, voltou-se para o neto e num tom de militar, lhe disse:

-O senhor sabe o que acabou de me dizer?

-Sim vô, eu sei! É assim que fazem a maioria das pessoas.

-Então você vai ser mais um que vai colocar nas câmaras, prefeituras, congresso, presidência, pessoas que não estão se importando com a população, que só visam o próprio bolso e querem mais é se reeleger e perpetuar o nepotismo político?

-Mas vô, o que eu posso fazer se não me interesso por política? Só ouço, promessas que nunca são cumpridas. É mais interessante ver o meu time ser campeão!

Seu Epaminondas compreendeu que o neto faz parte de uma nação de ignorantes políticos, e, que fomentar uma consciência política não era algo simples de se resolver, como nos almoços em família antes das eleições. Triste, abatido, sem perspectiva de que num curto prazo as coisas iriam melhorar, ele mais uma vez vira para o neto e proclama:

-Sim, é mais importante ver o sue time campeão! Somos de fato uma nação de chuteiras!