A porta ( sem revisão)
Existia uma porta nos fundos do bar, vez ou outra,
Eu via essa porta, colada com vários cartazes,
Panfletos, calendários...não havia luz acesa, ou barulho do outro
lado, nada que indicasse novidades. Mas algo estava ali, guardado,
sob coisas insuspeitas... Eu perguntava para o meu pai: o que tem ali, pai? Ele
Nada dizia, ou olhava como se eu fosse louco, “não há nada
Ai, que coisa!”. “Jura?” E ele ria de novo pedindo que ocupasse
Minha cabeça com outra coisa. Jogava um pano nas minhas mãos
“Vai enxugar os pratos e os copos!”. Eu fazia tudo que ele mandava,
afinal eu estava lá pra isso mesmo. pagava um dinheiro que
eu comprava minhas coisas, algumas roupas, e levava alguma
garota na tomar sorvete...passa oito horas por dia com ele.
Saia da escola, passava em casa, comia alguma coisa. E descia
A praça....minha obrigação servir os fregueses, limpar o balcão
E lavar os pratos. Ele ficava basicamente no caixa. Contando o dinheiro,
Que era contado o dia todo, como uma fixação alucinada, a cada
Centavo que chegava, ele juntava os demais e contava e contava,
E anotava finalmente o novo valor...com álcool limpava a banqueta
E o vidro onde ele se escondia....no mais do tempo era dormindo,
Pescando, quando caia o pescoço e se espantava olhava pra me
Dava risada...e sumia de novo na esquisitice, e eu, louco também,
Voltava a atenção para a porta que devido a sua situação central,
Era como um resumo das paredes do bar, um local de fuga e de
Entedimento...
Se ele saia algum tempo, tipo ir no açougue ou buscar alguma
Encomenda, eu me colocava perto na porta, olhava a fechadura, olhava
Embaixo, tudo escuro, ou não havia nada, nem escuro...e eu me punha
A imaginar, a pensar, a criar coisas lá dentro, uma quintal com mangueiras,
Uma quarto de pousada, ou simplesmente quatro paredes sujas, cheia
Casas de aranhas e sem ar, um lugar sufocante, sem descanso e sem vida....
Eu ficava exausto com essas idéias. Lavava repetidamente muitos copos
Até que saísse da sensação de sufoco e de medo....
talvez nem fosse Uma porta, pensava, já vi imitação de porta na escola de arte, já vi
Que pode desenhar uma porta, sem ter nada do outro lado. Sei que existe
Isso. mas ali não parecia...guardava algo, escondia um lugar....talvez
Mais espaçoso, talvez mais arejado, talvez...poderia fazer uma cozinha
Para o bar, ou um quintal, onde se podia passar o tempo. Uma porta
Que entrava num paraiso, ou que de lá víssemos uma praia com garotas
Mal vestidas...havia de ser alguma coisa, nem que fosse um nada, nem
Que fosse...era um porta, pela porta entra ema algum lugar....
...mexia na gaveta do caixa procurando alguma chave...
Uma raiva, uma curiosidade desesperada...não havia chave, não havia
Nenhuma referência...e porta estava lá, existia de fato, era uma porta
Que dava pra outro lugar, talvez um quintal ou outro cômodo, poderia
Até ser um depósito, mas nada disso, meu pai confirmava
Na parte da tarde, das três em diante era difícil aparecer alguém,
O movimento só voltava depois das cinco com o pão sendo assado,
E os homens voltando dos seus empregos, passavam lá pra tomar
Alguma birita...nesse tempo, acaba minhas ocupações e observava
Meu pai bater com a pestana, um silêncio brutal que dava na gente
Como medo. Ele não conversava quase nada comigo. Somente quando
Pedia alguma coisa, no mais, era ele como ele mesmo, numa ingratidão
Só. A porta ficava no centro do bar, entre duas prateleiras grandes,
Muito alta, que ia até a laje, e era sustentada em cima pelos pilares
Que se encontrava na esquina das paredes, no centro a porta, colorida
Por fora pelas coragem, mas com o escuro guardado, o medo, tudo imaginação,
Não sei se era só isso. havia outro mundo do outro lado, mas como provar
Se meu pai dizia o contrário e nem sequer me permitia abrir a porta...
E quando eu teimava achava que era louco ou besta de me preocupar
Com besteiras quando havia tanto copo e tanta poeira pra limpar....
E havia a impressão de que outros fregueses
Achava a mesma coisa. Entre um copo e outro, eu pegava
Alguns deles olhando com olhar perdido em direção a porta...
“O que foi seu Carlos?” respondia rindo que não era nada,
que apenas estava olhando o quadro do flamengo colado
na parte central. E punha a falar do campeonato de 1981
de Zico, de Adílio, a conversa ia a outra direçãos, pedia
mais cachaça...e logo tudo era esquecido. Menos por mim
que era torturado todos os dias pela minha intuição...que
insistia em me contar que havia algo atrás da porta...