O SENHOR RAPOSO E A MENINA DAS UVAS

RUBEMAR ALVES

ELA passava todos os dias na porta do “Açougue Flor de Bragança” com o balaio de uvas.

Não era exatamente uma vendedora de frutas, mas ia quase de madrugada ao mercado distribuidor. O vizinho, em função parecida (negociava com flores), dava carona para lá, depois trazia de volta e deixava caixas e mais caixas de uvas em casa dela.

De casa para o mercadinho do pai - levava as uvas e voltava com o balaio vazio, várias vezes ao longo do dia (estudava à noite). A pé porque era bem pertinho e o peso não era muito.

O português se apaixonou todo, derreteu-se ao infinito em mesuras, mas não foi correspondido.

Para ELE, “era” a namoradinha de infância que ficara nos vinhedos do Alto Douro – saudades de um passado ingênuo e feliz.

Um tanto careca, meio velhusco e muito gordo.

Fazia gracejos, “chalaças”, piadas grosseiras que ela odiava.

“A m’nina hoje está assada...” - quando o sol estava abrasador e ela ficava meio rosada no rosto.

A garota de cara implicou com o sobrenome do “coitado” e logo em seguida passou a achá-lo astuto demais, sempre armando algum ardil, fosse para ELA ou outra pessoa – falavam horrores dele, sobre falsa herança que nunca chegava, ele tinha lábia com todo mundo, enganara dois sócios, amealhara bom dinheiro a custa de otários e fora até expulso de certa diretoria de clube honesto. Nem os compatriotas o queriam perto.

ELE oferecia flores, copiava sonetos de Camões, mandava para ELA, ótima estudante de literatura, e audaciosamente assinava – “Autor – Manuel Raposo, seu criado às ordens”.

Certa vez planejou por conta própria uma cena de casamento. Encomendou por telefone, uma semana mais tarde pegou enorme caixa no aeroporto internacional, um tecido de linho branco, vindo direto da Ilha da Madeira, que a garota apenas olhou: “Muito bonito!” - e recusou.

Sacrifício supremo, todos comentaram, convidá-la junto com duas amigas jovens e um amigo (o das flores) para um jogo de futebol em que era certo o Flamengo ser campeão. E foi!...

Comprou novas roupas, tênis da moda e um carro zero, fez implante de cabelo e regime. A cachopa se distanciava cada vez mais.

No Natal presenteou os outros comerciantes ali da rua – bacalhau do Porto, queijadinhas de Sintra, pão de ló margherita, vinho moscatel e especialmente para o pai dela uma garrafa de ginjinha, licor de cereja.

Nem assim. ELA não comeu nem bebeu nada: justificou-se alérgica. Ao peixe ou a ELE, já começando a se desiludir?

Houve uma festa na igreja católica, dança folclórica no pátio, e por minutos ele não a reconheceu, com um grande chapéu enfeitado de fitas coloridas. Cada moça com uma saia diferente das outras – em cor ou tonalidade.

Soube que na manhã seguinte o “floristinho”, como ELE dizia do jovem comerciante, iria oficializar namoro com o pai dela. Ficantes há algum tempinho.

Deu um ponto final na paquera inútil.

Esnobou-a.

“De saia verde! Detesto. Minha cor predileta não é esta. E mesmo, dezesseis anos, é muito novinha para mim!”

F I M