O LUTADOR DE MMA

Maurício segurou-me com tanta força que quase quebrou os ossos de meu braço esquerdo. Ele ficou por cima na queda, eu fiquei sem conseguir respirar por alguns segundos a ponto de pensar em bater no chão para desistir da luta. E o pior era que o round ainda estava longe do fim. Aqueles eram os cinco minutos mais longos da minha vida. As pessoas ficaram em êxtase ao ver Maurício quase montado em cima de mim, me dando socos nas costelas e na cara, quando eu protegia as costelas ele me acertava a cara, quando eu protegia a cara ele acertava as costelas, Maurício filho de uma puta, e aqueles putos nas arquibancadas ficavam o tempo todo gritando o nome dele e me deixando cada vez mais nervoso, cambada de sanguessugas dos diabos. – “reage, caralho”, pude ouvir a voz de Carlos no meio de todas as outras, “levanta senão tu vai tomar na cara de novo”, eu fiquei com raiva e fiz uma força tão desproporcional ao meu desgaste que pude afastar o corpo de Maurício de cima do meu. Ele ficou de pé e cerrou os punhos, eu do outro lado também tinha ficado de pé e cerrado os punhos, os braços cansados, quase não consigo levantá-los. Ele cerrou os punhos com tanta força que pude ver seus músculos tesos e suas veias alteradas, não sei o que eu tinha feito para deixá-lo com tanta raiva, aquilo era só uma luta, ninguém precisava morrer, mas eu não fiquei assustado, para ganhar o dinheiro do prêmio eu bateria até mesmo no juiz se fosse o caso. Ele veio na minha direção, aproximando-se devagar, apertou os dentes com tanta força que quase quebra o protetor bucal, e eu fui na direção dele, mas levei um chute nas costelas, quando verguei do lado do chute ele me acertou um soco no queixo e eu caí tonto sem enxergar mais nada. Ele montou em cima de mim, eu estava com a mão na boca fazendo massagem para ver se aliviava a dor, ele me deu outro soco que pegou na minha mão, que pegou no meu rosto e eu bati a nuca no chão, fiquei ainda mais tonto. O gongo tocou.

Levantei sem demora para disfarçar que estava mal. As pessoas continuavam gritando o nome de Maurício. “Caralho, seu puto!” Carlos me acertou um cocorote de leve na cabeça. “Desse jeito tu vai sair direto para o hospital, porra. Não estou lhe reconhecendo, levante a guarda, vá pra cima e acerte a cara dele com um direto. Olhe, se não puder fazer isso leve ele para o chão e fique por cima que no chão você é melhor do que ele”, Carlos foi dizendo isso e colocando gelo no meu queixo, com a outra mão passava vaselina no meu rosto, fechei os olhos para não cair dentro. Com o gelo eu consegui me recuperar do soco e a tontura já tinha passado. Aquele foi o primeiro round, e ele ganhou de dez a zero, mas agora eu estava com raiva de Carlos que me enchia a paciência, eu estava convicto que iria descontar tudo em Maurício, era tudo culpa daquele filho de uma puta. O gongo tocou. O juiz foi ao centro do ringue e chamou a mim e a Maurício, nós levantamos e mais uma vez cerramos os punhos, as pessoas estavam em silêncio, mas quando Maurício veio na minha direção todos começaram a gritar seu nome novamente, mas dessa vez pude ouvir meu nome ao fundo pela primeira vez, fiquei tão curioso que olhei para a torcida para ver se reconhecia alguém, mas quando desviei o olhar de Maurício levei um chute na coxa e quase caí desequilibrado. Fiquei de pé esperando Maurício tomar a iniciativa novamente, ele veio e deu um soco, eu desviei e acertei uma joelhada no estômago, paff, achei que tinha quebrado algum osso dele, dei um soco na cara, ele desviou, eu passei direto e quase caio desequilibrado. Maurício me abraçou e me apertou contra as cordas do ringue, segurei uma das cordas com a mão direita para não cair, mas o juiz deu um puxão na corda para eu soltar “não pode segurar na corda seu puto!” ele gritou com raiva, foi o tempo de Maurício se distrair e eu derrubá-lo no chão. Montei em cima e acertei um soco na cara, outro na orelha, outro na cabeça, dei uma cotovelada na cabeça dele e quase quebrei meu braço. “Finaliza! Finaliza” Carlos gritou achando que seria fácil finalizar Maurício naquela posição. Meu corpo suado em cima do corpo dele me dava repugnância, aquele roça-roça parecia coisa de veado. Tentei pegar o braço dele, mas ele foi mais ágil do que eu e num piscar de olhos reverteu a posição. Me acertou outro soco nas costelas, filho de uma puta, ele já estava sabendo meu ponto fraco. Carlos ficou desesperado fora do ringue. Pude vê-lo fazendo sinal de negativo com a cabeça. Para piorar, Maurício me deu uma chave de braço, mas aproveitei que está-vamos suados e puxei meu braço com força e consegui me livrar daquela situação. Fiquei de pé para lhe acertar um soco em cheio na cara, mas escorreguei e caí em cima dele, batemos a cabeça os dois e o gongo tocou.

“Porra seu puto de merda! Eu disse pra você levantar a guarda”. Carlos passou vaselina novamente no meu rosto. Fiz o mesmo movimento de fechar os olhos para nada cair neles e eu ficar ainda pior na luta sem enxergar Maurício na minha frente. Eu já estava ficando preocupado. Agora só restava um round para a luta acabar e eu estava convicto que tinha levado a pior nos rounds anteriores. “Tu merece é apanhar mais pra aprender”, Carlos disse com a voz áspera. Não me importei muito. Queria mesmo era acabar logo com aquilo. As pessoas começaram a gritar o nome dele novamente, mas ao fundo tinha um sujeito solitário que não parava de gritar meu nome “presta a atenção, porra! Esquece esses putos de merda que não vão te ajudar em nada”. Tive que concordar com Carlos. Só se ganha a luta dentro do ringue. Gritaria fora dele não muda nada. Tudo acontece lá dentro, olho no olho, dente por dente, porrada, socos, chutes, força, resistência, coragem, decisão, do lado de fora são um monte de putos gritando à toa. Eu estava decidido que iria apanha o mínimo e bater o máximo, essa seria a minha estratégia, mas Carlos queria acabar com ela: “preste a atenção no que você deve fazer; deixe ele vir pra cima, fique na defensiva e sempre que ele atacar, você se esquiva e acerta ele, não esqueça, faça isso e não tem erro”. Carlos era muito experiente, era muito bom ouvir o que ele falava, mas lembrei que é lá dentro que se resolve tudo, olho no olho, dente por dente, porrada, socos, chutes e tudo o mais que a regra permite. O gongo tocou.

O juiz foi novamente para o centro do ringue e nos chamou. Com um gesto fez que tinha recomeçado o combate. Maurício nem me esperou cerrar os punhos e veio para cima como fera, eu me esquivei e ele passou direto. Veio novamente e eu fiz o mesmo movimento e ele passou voado. Veio novamente e eu já mudei de posição e pulei para o outro lado e ele passou como um foguete. “É assim, é assim, continue” Carlos estava começando a ficar animado comigo, eu me lembrei da estratégia dele e resolvi colocar em prática. Cada vez que eu me esquivava de Maurício os putos da arquibancada gritavam “úúúúúppppaaaaaa”, “xiiiiiiiiiiiiiiii” e eu dizia “chupa seus filhos de uma puta”, ninguém ouvia, exceto o juiz e Maurício que estavam mais próximos.

Maurício veio novamente, fingiu que ia me acertar de um lado, eu esquivei e ele me acertou um chute nas costelas do outro lado. Minhas vistas ficaram embaçadas, eu mal consegui enxergar o vulto dele na minha frente, as vozes dos putos das arquibancadas se uniram num coro de sons indecifráveis, Carlos gritava, mas sua voz misturava-se ao som caótico que tomou o ringue. Tentei ficar de pé, mas minhas pernas começaram a tremer, não era de medo era de dor mesmo, uma dor que quase paralisou um lado de meu corpo. Felizmente levei um soco na cara e voltei a despertar daquele estado. Depois do soco consegui enxergar o relógio que marcava o tempo da luta e vi que faltava apenas dois minutos para o fim. Maurício veio na minha direção e eu o agarrei, rolamos no chão, fiquei por cima e lhe acertei o queixo, depois as costelas, mas ele me empurrou para o lado e ficou de pé num pulo, eu fiz o mesmo movimento que ele. Chute, soco, direita, esquerda. Ele agora que parecia que estava tonto, minha mão começou a doer muito, tanto que eu tinha a impressão de que batia e apanhava ao mesmo tempo. Mas eu não parei, vi que ele estava cansado e meio tonto e fui pra cima dei uma giratória e ele caiu desmaiado, eu sentei nele e acertei o nariz e o queixo com dois socos tão fortes que quase quebrei a mão direita, tive a impressão que quebrei um osso dele, o juiz se jogou entre nós dois para acabar a luta. O gongo tocou.

Carlos pulou no ringue e me levantou nos braços, todos estavam gritando meu nome e me aplaudindo de pé. Maurício ficou esticado no chão e custou a levantar. O juiz veio na minha direção e levantou meu braço e disse em voz alta “o vencedor!”. Eu sorri. Pensei “talvez aquele instante de alegria fosse mais importante do que o prêmio se do contrário eu não precisasse dele”.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 07/09/2012
Código do texto: T3869876
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