O rio
Não... assim. Eu vinha de longe, mais que de perto, descendo
De lá da cabeceira, roçando nas malvas, empurrando
O que estava atrapalhando... olhava o céu, e o bicho
Estava feio, cheio de defeitos, empretado nos cantos,
E azul no meio, sobre minha cabeça.
E segurava o chapéu nas mãos, agradecia a Deus,
Nosso senhor, o corpo largado, sem força, esmorecido,
A vontade de não fazer mais nada, de só sentir as coisas
Que acontece...
De longe já via a fumaça de casa, as gente lavando
Roupa, tudo como de antes, o rio mais magro, quase
Desistindo, mas as pessoas não, ainda há os que pesca,
Os que caça, que toma banho no rio, no raso, no juntado
Das pedras...nas partes escuras, no lodo e na lama,
Mas ali, no corte do barranco, na praia morta...
Eu sentei e vi, o diacho da vida, que não pára, nem
Desanima, a gente que é mole, sem espírito, acochado
Dentro da preguiça. Minha vó falava assim: você é
Morto na preguiça! Eu sou morto na preguiça,
E tanto tempo, uma sentença, uma condenação...
A palavra da pessoa que a gente gosta tem cola...e gruda
Na gente, parece um cachorro doido, com raiva
E fica perseguindo...e ditando as ordem na nossa vida
Já estive aqui em outras épocas, Quando o rio era mais digno,
mais voraz e matava mesmo os meninos de coragem,
que ia pro fundo, as vezes, só pra causar inveja...
lá pro meio, e num voltava, e as mães se acabava de tanto
Que chorava...agora não, tudo está raso, dá pra ir no
Meio, e não chega na cintura, e tem uns que pensa
Uma aventura....nunca foi novo em outro tempo,
O rio era de mistério, de medo, medo mesmo, coisa
De criança, de quanto se sente seguro, e o mundo
Fica infitino, desajeita, sem a gente andar nele....