A Curva no Rio da Vida.

Acho que Isadora não sabe de tantas coisas ou, mesmo com sua ingenuidade e pureza, talvez saiba de tantas outras que, os corações e mentes mais brilhantes não saibam. Mas, Isadora, corria o rio de sua vida, sempre com a melhor das perspectivas, sempre como se quisesse tirar da cartola um coelho, aliás, O Coelho! A vida, para ela, era um estado de surpresas e acontecimentos.

´´ Eu gostaria, meu Deus, de entender porque existem essas disparidades sociais, porque essas injustiças acontecem, porque mesmo com tantas riquezas, ainda sim, existem tantos miseráveis e, eu, estou aqui com meu tablete e minha coca-diet ?! ``. Ela discorria silenciosamente enquanto fazia os inúmeros trabalhos do colegial.

Não sei por qual motivo Isadora com apenas doze anos se questionava sobre isso. Eu desejava que fosse, talvez, a ausência de um mais novo equipamento eletrônico, uma calça jeans de grife que ainda não estava em seu´´ clouset``, mas, o que era verdade e assombroso é que suas preocupações eram reais, que mesmo com todas as etiquetas de suas roupas e joias, ela, ainda questionava por que os outros também não podiam desfrutar das mesmas coisas as quais ela tinha acesso. O que espantava no comportamento de Isadora não era apenas a sua preocupação social, mas, principalmente porque ela tinha apenas doze anos!

(Crianças, nesta idade, têm como meta a roupa e o celular da moda!)

´´ Meu deus, me ajude, hoje vou passar mais uma vez por aquela calçada...Porque o senhor que é tão bom comigo e não é tão bom com ele???!!! Por quê?! Meu Deus!!! Não aguento olhar isso todos os dias!``

Isadora lembrava-se dum certo garoto que estava a pedir esmolas perto de sua escola. O garoto com corpo esquálido, pés sujos e descalços, bermuda desgastada pelo tempo e remendada com diversos retalhos, tirava o sossego de Isadora. Era uma imagem que Isadora não suportava presenciar.

João Batista , para todos e, para os íntimos, ainda João Batista, pois, somente a intimidade cria laços e apelidos e, ele, era sozinho neste mundo. Não sabia de onde veio. Não tinha pai, mãe, irmãos; Compartilhava uma ponte, alí próxima, com outros garotos. O fato de escolher ficar perto de uma escola de gente rica tinha um segredo. Era seu maior segredo. João Batista sempre estava lá todas as vezes que o portão abria e fechava e, consigo, trazia sempre uma sacola. Lá, também fazia seu ofício de pedinte, mas esse não era seu objetivo principal.

´´Hoje, não poderei continuar a olhar aquele menino e ficar calada. Hoje, terei que perguntar! Vou sair mais cedo da escola antes que papai venha me buscar!``

O som alarmante da escola toca: quarta aula. Agora, o relógio marcava 10 H. Seria o momento! Isadora iria cumprir o prometido. Foi até o portão:

´´Ahh...ele não veio hoje...ahh...ele não veio... ``

Ela voltou para a sala de aula.

João Batista era pontual. Pontualíssimo. Mais um dia, lá estava ele na hora exata da saída dos meninos e meninas ricas.

Recebeu mais algumas esmolas de pais e mãe caridosos, e de pais e mães convalescidos falsamente, forçados a tal ato apenas por causa dos olhares e recriminações alheias.

( dias depois...)

´´_Ei! Ei! Você aí mesmo! Porque está aqui? Cadê seu pai e sua mãe? Porque sempre vem para esta calçada? Consegue muito dinheiro aqui? É isso?``

João batista não acreditava!

´´ Seria com ele a quem aquela menina se reportava?! Ele não era transparente?! Se fosse, naquele dia talvez tivesse comido um resto de alimento estragado e tivesse sido notado``, pensava ele.

A partir daquele momento João Batista tinha apelido. Agora, chamava-se Batistinha. Fizeram-se os laços. Também, não recolhia mais os restos dos trabalhos e cadernos que eram jogados nas lixeiras da escola, ele não precisava sair correndo ofegante atrás de uma folha em branco. Agora, Isadora dividia seus livros novos, concedia aquelas canetas coloridas e os papéis em branco.

(Nosso Batistinha correu sérios riscos de sofrer um acidente enquanto buscava os papéis soprados pelo vento. )

( Voltemo-nos!)

Tudo acontecia quando ela chegava um pouco antes do portão. Deixava lá algum livro que ela, naquele dia, não fosse precisar e, ele, pegava-o, lia-o e devolvia-o no outro dia. João Batista muito aprendeu com Isadora. Inclusive que, se não sabia de onde veio, agora, sabia onde quereria chegar! !!

Seus dez anos já o permitiam engraxar sapatos. Assim, fê-lo.

Precisava criar um ambiente aprazível para seus estudos. Saiu da ponte. Construiu um barraco seguro à beira de um riacho. Lá, era seu mundo.

...

O barraco cresceu e João Batista também.

( Anos depois...)

Isadora, que pensou ser assistente social, havia se tornado uma exímia pilota de um avião caça modelo F-22 Raptor. Ela tinha sido a primeira mulher a conquistar este lugar, por essa razão, foi notícia em muitos jornais de até circulação nacional. Também havia casado. Tinha três filhos. Seus 36 anos não marcavam seu rosto nem suas curvas.

João batista, amante das letras, agora, havia se tornado professor-doutor de uma renomada universidade do Nordeste. Ele nunca se esquecera daquela bela e doce jovem, daquela bela e angelical amizade.

(...)

A vida havia endurecido o coração de Isadora. Muitos acontecimentos decepcionantes tinham ocorrido. Ela não suportava mais todas as angústias do seu ser. Filhos problemáticos, que tinham de tudo, mas não valorizavam as coisas essenciais da vida; marido extremamente estúpido, grosseiro, pedante. A vida estava pesada demais...

João Batista sempre acompanhava as notícias sobre sua amiga, afinal, orgulhava-se de ter sido ajudado por ela. Ele sabia que tinha sido objeto de uma realização pessoal. Existem pessoas que plantam uma árvore, escrevem um livro e têm um filho. Não se sabe se ela fez os dois primeiros, mas fazer o que ela tinha feito por Batistinha era somente obra de grandes almas. Para Isadora, era necessário ajudar a alguém, era preciso apostar suas fichas em alguém que não fosse afortunado qual ela tinha sido.

´´ Notícia: o governo de Minas Gerais caba de anunciar que a pilota do avião caça F-22 Raptor , Isadora Albuquerque de Alcântara, sofreu um choque com uma torre de comunicação de telefonia. As primeiras informações dizem que devido a precisão do choque e a experiência e, conhecimento técnico apuradíssimos da excepcional pilota, o acidente nada mais tenha sido do que um suicídio!!! ´´.

´´Isadora não mais via coelhos tampouco Coelhos na cartola´´, era o que João Batista pensava enquanto suas lágrimas lavavam seu rosto...

Eliane Vale
Enviado por Eliane Vale em 28/08/2012
Reeditado em 10/09/2012
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