Gallant

Motel. Tempo feio. Transgressão.

- A amizade, o desejo e o prazer acabam em uma gozada. E a vida começa.

- Chega a dar um desgosto depois que vocês gozam, não é?

- Na maioria das vezes, não. Só em punhetas mal batidas, em fodas mal dadas. E em vocês? - Volvi.

Ergastenia.

- Estou me sentindo uma grande filha da puta, sabia?

Pergunta ignorada.

- Imagino...

- Não, não imagina.

- É, é verdade, não imagino mesmo.

- Às vezes eu me pergunto o porquê de ter me casado tão cedo...

Fiquei quieto. Também me perguntava sobre o porquê das pessoas se casarem. Fomentava, às vezes, ilusões de como seria a minha vida de casado; de como seria minha casa e minha esposa; quais animais teríamos, se teríamos filhos, um carro; se iríamos ao trabalho de bike ou metrô, quantas vezes transaríamos por semana, quem lavaria a louça, quem escolheria os móveis, os canais de televisão, a marca do sabonete, etc. O sorriso que eu ensaiava saboreando esses pensamentos era logo sobreposto pela robustez do tédio e da apreensão de ter minha pouca liberdade restante sendo tolhida. Eu já estava na metade da minha vida biológica e não tinha uma ambição maior e mais deliciosa do que encher uma casa de gatos e viver sozinho – não tendo meus pensamentos sendo interrompidos com ladainhas choraminguentas e dúvidas existenciais rasteiras; convivendo, dialogando e suportando pessoas somente o mínimo possível necessário para sobreviver.

- Você não o ama? - Perguntei.

Foi a vez dela de silenciar.

Se ama, por que estava ali, nua, com um corpo estranho, com um filete de porra escorrendo pelo meio de suas pernas?

Se não ama, por que ainda mantém o casamento?

Talvez essas fossem as questões primeiras a passarem na cabeça de alguém em situação similar. A verdade crua é que é amor sexo são total e puramente dissociáveis. O respeito pelo parceiro tem a função de ser o gosto do freio na boca de um cavalo que quer escoicear: quero, posso, mas não posso. Se o fizer, se o adultério for consumado, trairei não só a ele, como também a mim, que me predispus a respeitá-lo incondicionalmente.

Olhava nos meus olhos. Eles carregavam uma mágoa que ela pensava velar com maestria. Era apenas uma criança achando que sabia demais da vida.

Um meneio de cabeça indicando resposta positiva foi feito.

Mais um doloroso respaldo para as minhas teorias de que uma vida na solitude é menos dolorida.

Ali estava a mulher que eu amava e que não podia possuir senão nesses encontros insanos e arriscados que passáramos a ter.

Ali estava a mulher de um amigo de infância, nua em pelo, porejando após uma foda selvagem comigo, bafejando o gosto do meu sexo, me olhando com ar inquisitivo e preocupado.

De quem seria o erro maior?

28/08/2012 - 17h30m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 28/08/2012
Reeditado em 28/08/2012
Código do texto: T3853788
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