Sorriso
Gostava das pessoas passageiras. Aquelas que apareciam e ficavam poucos dias, não chegavam a completar um mês de presença. Tinha trauma de pessoas, de sentimentos, de ter que lidar com eles. Gostava das pessoas enquanto elas podiam sorrir e fazê-la sorrir, depois não queria mais. Criava-se intimidade, e choviam lamúrias cujas ela ignorava cruelmente e acabava sozinha. Diziam que era egoísta, que pessoas são um pacote pré-adquirido e que devemos nos moldar conforme elas chegam até nós. Odiava tudo aquilo. As coisas ruins que se danassem, ué. Não sabia, não queria dar conselhos, muito menos ser participativa na vida alheia... Apenas a parte agradável e que lhe satisfizesse.
Tinha um belo e cativante sorriso. Todos encontravam um alento absurdo nele e ela parecia de fato abrigá-los no seu sorriso. Aí os largava quando algo acontecia. Ia embora, levantava e deixava lá a pessoa seja quem fosse. Era só um disfarce pra sua frieza e distância. Não gostava de ninguém, nem de si, muitas vezes, mas parar para conversar às vezes lhe agradava e precisava se alimentar dos sorrisos alheios para engrandecer o seu e da alegria para que se abrigasse nela. A questão é, de vazio já estava completa – se é que isso é possível – então queria o amor dos outros para alimentar o próprio e quando chegava a conclusão que todas as pessoas eram tão vazias quanto ela, fugia. Não precisava que aquele sentimento lhe transbordasse. Precisava ser atado, de vez em quanto, de pouco em pouco para que ela não se sufocasse e sucumbisse. Por isso, treinava seu sorriso e com ele absorvia o que precisava.
Odiava intimidade. Ao mesmo tempo em que seu sorriso cativava, abria portas para a confiança. Chegavam alegres e quando começavam a lhe contar sobre algo ruim, seu corpo tremia e saia dali. Ia pra casa e afundava-se no sofá e ficava horas a fio olhando para o teto esperando o sono lhe entorpecer. Ligavam-lhe, ela não respondia e se amaldiçoava por ter passado o celular. Aprendeu a ser mais distante. Sem números.
Mas ela não esperava que encontrasse alguém tão igual naquela manhã invernal por conta de uma moeda. Ele lhe entregou. Ela escolheu seu melhor sorriso e ele, seu mais suplicante olhar. Sentaram e tomaram café. Aos poucos o sorriso dela se esmaecia e era absorvido por aquele olhar penetrante e seu vazio começava a lhe transbordar o coração e chegar as suas veias e a percorrer seu corpo. Estava perdendo o controle e tão rapidamente, mas não conseguia mover-se.
- Eu... Tive uma semana...
Ele não a deixou terminar. Levantou-se, pagou os cafés e saiu. Ela ficou estática, dolorida, muda, catatônica... Como era horrível a sensação do vazio percorrendo as veias e o abandono tão iminente.