Zahir e a lenda do tapete voador

Conta a lenda que Zahir habitou terras longínquas, num tempo em que as crianças ainda brincavam juntas à sombra das árvores e corriam pelas ruas fazendo algazarra e saboreando as frutas em seus próprios pés.

Havia na cidade um Mestre tecelão, e vez ou outra os meninos o distraíam e roubavam seus fios coloridos para brincar. Eram tantas as cores que Zahir, curioso como era, ficava a imaginar como simples fios se transformavam em belos tapetes nas mãos do hábil tecelão.

Com seus grandes olhos negros, o pequeno Zahir, em seus 9 anos, observava cada tapete exposto na loja do Mestre e imaginava como aqueles coloridos fios se entrelaçavam e faziam surgir magníficos desenhos. Isso era para ele um grande mistério e ele não compreendia porque esses tapetes eram tão procurados e tão valiosos.

Ainda assim encantou-se com tanta beleza e com a magia que parecia envolver aquela obra alquímica que transformava lã em fios coloridos e fios coloridos em peças únicas e genuinamente poderosas, que pareciam enfeitiçar quem os via.

Ouvia dos anciãos histórias e mais histórias sobre tapetes mágicos e milagrosos e isso fazia crescer nele a certeza de que havia muito mais nos tapetes do que meramente fios e cores. Começou então sua busca por aquilo que estava oculto aos olhos de quase todos.

Era tamanha a sua admiração que vivia espreitando a loja do tecelão. Frente a ele os tapetes criavam vida, dançando como bailarinos, misturando suas cores em desenhos e movimentos irresistíveis, em sons e perfumes que o faziam sorrir, cantarolar e dançar.

Seus amigos zombavam dizendo: “- Zahir está louco! Zahir está louco!”... e seus dedinhos circulavam ao lado de suas cabeças mostrando o estado de insensatez em que o amigo se encontrava.

Sim... Zahir estava louco, embriagado e tornara-se escravo de um encantamento que jamais passaria!

E assim foi.... o tempo passou, passou, e o jovem Zahir apresentou-se ao Mestre como aprendiz.

“- Mestre tecelão, desejo aprender a arte de tecer.”

O Mestre, que observava o jovem desde a sua infância indagou:

“- O que é desejar, Zahir? E o que é aprender? A arte da tecelagem pode suprir seus desejos, sem que necessite ensiná-lo, ou pode ensiná-lo, ainda que não supra seus desejos”.

“É preciso antes de mais nada – continuou o Mestre – que tenha clara a sua real intenção.”

Isso parecia muito confuso e Zahir saiu pensativo por aquelas estreitas ruas que tão bem conhecia, sentou-se sob a sombra da tamareira onde em menino se deliciava com os frutos ainda no pé e consultou sua porção mais interior, onde ninguém além dele poderia penetrar.

Zahir era arqueiro e também era flecha. Sua alma peregrina se atirava pelos ventos repleta de desejos conflitantes.

Quando retornou ao Mestre tecelão disse:

“ – Desejo ser um peregrino do espaço/tempo. Ouvi dizer que posso possuir um tapete voador e que ele poderá me levar a lugares onde raríssimos homens chegarão. Tenho buscado inúmeros caminhos na tentativa de apenas vislumbrar esse tapete.”

O Mestre fitou-o tranquilamente, enquanto Zahir sonhava com a visão do momento onde não estaria sujeito às leis que o aprisionavam a este mundo.

Perguntou-lhe:

“ - Ao bêbado importa a bebida que bebeu?”

“ – Não importa a bebida pois que a bebedeira é a mesma, Mestre”.

“ – Ainda que a bebedeira seja a mesma, disse o Mestre tecelão, quando embriagado por um bom vinho, o seu amanhecer pode ser alegre e suave. Mas se a qualidade do seu vinho não é boa, a dor de cabeça e a náusea o denunciarão. O seu sofrimento poderá ser maior do que a alegria provocada pela bebida.”

“ – Assim é também quando nos embriagamos em um êxtase, continuou. Se aquilo que nos levou ao estado é legítimo e se nossa alma está purificada, amanheceremos saudosos dele e desejando retorno. Mas se o que nos conduziu é contaminado como um vinho ruim ou nossa alma é cheia de insanidades, eis que nos perdemos no vazio e retornamos a um ponto ainda mais inferior ao de onde partimos.”

Zahir estava inquieto, pensando sobre o que disse o Mestre.

Percebendo a inquietude do jovem, o Mestre acrescentou com bondade:

“ – É bom que saiba, Zahir, que a busca é louvável, mas o caminho repleto de escolhas enganosas. Permaneça atento!”

E assim, ainda um pouco confuso sobre tudo que ouvira, iniciou seu aprendizado na arte da tecelagem.

Passara-se algum tempo, e Zahir transformou-se em grande tecelão. Dizem que seus tapetes eram os mais belos e perfeitos de todo o mundo e que ele dominava totalmente todas as técnicas ensinadas pelo Mestre.

Durante algum tempo ele ficou feliz pelo que havia conseguido e tão envolvido em seu prestígio estava que esqueceu-se de seu primeiro desejo e do conselho do tecelão: “ – Permaneça atento!”.

No entanto, uma insatisfação crescente o dominou. Ele voltou ao tecelão:

“- Mestre, ainda que eu tenha desenvolvido meu talento e seja admirado em minha arte, sinto-me vazio e aprisionado como um pássaro na gaiola. Estou tão absorto em meu desejo por algo que me satisfaça que ao tecer meus tapetes tenho sido envolvido por uma grande emoção e isso me remete aos meus desejos de juventude. Porém, ser o melhor na minha arte não me leva onde eu realmente gostaria.”

“- Você tornou-se hábil na arte e aprimorou seu talento, por isso transformou-se em grande tapeceiro. Até hoje você agiu sobre o tapete e agora começa a sentir que o tapete também pode agir em você.” – falou o já ancião Mestre na arte da tapeçaria.

Percebendo a confusão no olhar de seu discípulo, continuou: “ – Observe como a urdidura é infinita como o Céu, aberto para que a criação possa ali surgir. Assim precisa ver o urdume, não apenas como fios paralelos, porém como um vácuo que se oferece e permite que nele seja. Por isso ele é bondade. Só existe espaço para a criação quando há bondade, e somente há bondade quando se está isento de atributos. Por isso a criação parte da expansão do inexistente e se constringe até que Seja.

Cada passo na tecelagem possui significados que somente no estado em que se encontra agora é capaz de perceber. Você agiu sobre o tapete e tornou-se mestre nas técnicas. Deixe então que o tapete comece a agir em você.”

Zahir começou então o seu trabalho a partir de uma outra dimensão. Seguindo a orientação do Tecelão, manteve sua atenção em cada movimento que fazia, sentindo os fios do urdume sendo transformados em espaços onde um universo de possibilidades se efetivariam. Observou como tudo se processava em seu Ser e assim que o urdume estava pronto iniciou o trabalho das tramas.

Reconhecia em si mesmo sensações deliciosas e por momentos podia sentir-se desaparecendo daquele lugar e reaparecendo em outro, sem que parasse por um instante seu trabalho.

Sentiu o movimento das leis da criação em cada ponto que tecia e como recomendado usou a respiração como um ritmo onde ativo, passivo e neutralizador se realizavam em suas mãos, trazendo o princípio superior expandido até a esfera mais inferior, onde tudo se contraía na criação.

Cada fio colorido era como um elemento único e exclusivo fazendo parte de um todo, de tal modo que era impossível considerar cada pequeno pedaço simplesmente um descarte. Cada fio, cada poeira, cada ar respirado clamava sua importância e existência, de tal modo que ao segurar um pequeno pedaço da sobra de um ponto em seus dedos, ele pôde sentir a dor de todas as dores e uma compaixão jamais experimentada, como se aquele pequeno fio fosse seu próprio coração. O tempo parou enquanto algumas lágrimas escorreram pelos seus olhos e e ele contemplava aquele ser existente que por algum motivo havia feito o sacrifício de não pertencer ao tapete, mas possuía sua função e importância como qualquer outro.

Agora Zahir não mais agia sobre o tapete, nem tampouco o tapete agia sobre ele, mas eram Unos na criação. Seu coração era ouvido em cada ponto e em cada trama, bem como cada parte do tapete vibrava harmonicamente em seu corpo.

Foi então que Zahir pôde preencher o tapete com a magia de pontos que o conduziriam para onde quer que estivesse seu coração.

Ele então viajou por inúmeras dimensões, vivendo incontáveis aventuras.

Dizem que ele é Senhor do tempo e que pode habitar qualquer lugar e qualquer dimensão existente, e até mesmo as ainda não existentes. Ele pode estar aqui ao seu lado em um momento e no outro pode parecer nunca ter existido.

O seu segredo é cobiçado em todos os lugares e buscado por todos que ousam vislumbrar algo além da superficialidade de seus sentidos.

Fique atento ao vento que conta os segredos e purifique a visão das traves dos julgamentos. Talvez possa um dia sentir o borboletear de um tapete e uma voz ordenando:

“ – Leve-me onde está meu coração.”

“ – Leve-me onde está meu coração.”

“ – Leve-me onde está meu coração.”

Você está onde está seu coração.

Kasty Heis
Enviado por Kasty Heis em 25/08/2012
Reeditado em 28/06/2019
Código do texto: T3849244
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