imagem: internet



O EXAME
 
 
            - Não acredito no que está me dizendo, doutor – Retrucou Amâncio.
            - Não sou eu quem diz. São os exames. Sei que é difícil, receber uma notícia assim, de forma direta, mas... acredite, não há erro.
            Amâncio pega o papel pra ler novamente. Não entendia nada. Como um pedaço de papel podia acabar com sua vida daquele jeito? Acreditava porque era o médico que estava afirmando o diagnóstico. Fica imaginando como é que aquilo podia estar acontecendo. Onde foi que errara?
Ao sair do consultório do médico fica sem saber o que fazer. Como agiria com os filhos e com a família da esposa. Estava perdido, sem rumo. O filme de sua vida passa em sua mente. Lembra-se da liberdade de solteiro, das farras que fazia. Lembra-se do dia em que conheceu Branca, sete anos atrás. Ainda muito moça, linda, recatada. Ela já não tinha mais pai, ficando a educação e sustento por conta da mãe, apesar de Branca e o irmão mais velho estarem trabalhando. Eram quatro, os irmãos. O mais velho, de pele bem morena, Branca, de cabelos negros ressaltando a pele alva como leite, e os mais jovens, gêmeos, pele branca e cabelos lisos. O pai que falecera um ano antes de se conhecerem era um mulato alto, sério, não gostava de brincadeiras. Era uma família unida que frequentava a igreja adventista. Daí Branca ter aquele jeito sério, recatada. Puxara a índole da mãe, que havia se convertido à religião do marido, ao se casar.
            Valdivino, o pai de Branca, a quem todos chamavam Seu Divino, conhecera Alda em uma viagem de dois meses pra Mato Grosso. Nesse mesmo tempo Alda se convertera à religião de Seu Divino e voltaram já casados. Amâncio ouvia aqui e ali algum comentário maldoso sobre a origem de Dona Alda, mas tinha certeza que não tinha fundamento. O pai de Branca trabalhava numa estatal de energia e morrera eletrocultado enquanto fazia reparos numa linha de transmissão de alta voltagem. Segundo testemunho de um amigo e colega de trabalho que o acompanhava, a quem todos chamavam de Alemão, um rapaz de descendência holandesa, ele se distraíra. Era experiente, mas ao que parece cometera um erro.
            Após a morte do marido, Dona Alda começou a fazer bolos e salgadinhos pra festas, pra poder sustentar os filhos; vez ou outra era ajudada por Alemão. Ela conhecia quase todos pelo bairro, e fazia questão de entregar pessoalmente as encomendas que recebia. Sempre risonha e compreensiva. Nada abalava sua calma. Nem mesmo o pastor de sua igreja, quando este lhe cobrava mais presença ao culto, que era escassa, devido ao trabalho.
            Os irmãos estudavam, sendo que o mais velho já cursava o primeiro ano de direito quando se conheceram.
            Já Branca, não queria saber de estudos. Dizia não se interessar. O que importava era cuidar da casa, do marido e dos filhos; como a mãe. Tivera algum namorico, coisa sem importância. Amâncio a conhecera quando precisava de encomendas de salgados pra festa de final de ano da empresa que trabalhava e fora escolhido pra cuidar desse assunto. Recebera indicações sobre a mãe de Branca. Gostou do serviço... e da filha da quitandeira.
            A primeira vez que vira Branca, foi no dia que recebeu os salgados da primeira encomenda. A mãe e ela foram levar no pequeno salão da empresa, onde se daria a festa. Usava um vestido abaixo do joelho, porém não escondia as curvas daquele corpo. Cabelos negros, amarrados e caídos nas costas, exibindo o rosto delicado, de pele macia, branca como leite, no qual ressaltava dois olhos negros e instigantes. Completando a imagem, um sorriso ingênuo e cativante.
            Foi amor à primeira vista, como se diz por aí. Logo vieram novos pedidos, novos encontros, convites para passeio... e Amâncio foi quebrando o gelo e conquistando o coração de Branca. Durante o namoro, o máximo que Branca permitia era pegar na mão e um “selinho” ao se despedirem. Por mais que Amâncio insistisse, não conseguia mais que isso.
            Casaram-se oito meses depois. Ela dizia estar realizando seu sonho. Ele não via a hora de tê-la por completo. Passaram a lua de mel em Guarujá. Segundo Branca, foram os quinze dias mais felizes em sua vida. Amâncio também adorara, mas nem tanto. Branca era cheia de dedos, não pode isso, não pode aquilo. Imagine ele, acostumado nas baladas, sendo enquadrado a um estilo que não era lá muito seu jeito. Mas compreendia. Branca fora educada assim.
Logo depois da lua de mel, encantada com a liberdade que tinha, Branca se interessou em aprender a dançar. Era uma atividade que Amâncio também adorava e começou a levá-la a um salão de dança no bairro em que moravam. Essa era uma atividade que o pai proibia e agora ela podia e queria aprender a dançar. Essa liberdade era apenas no salão de dança onde Branca se soltava mais, continuando reservada e receosa na intimidade do casal. Amâncio a respeitou por um ano. Não se contendo mais quando ela ficou grávida do primeiro filho do casal. Nesse período, Branca passava a maior parte do dia na companhia da mãe. Amâncio começou a fazer hora extra no trabalho. Às vezes chegava mais tarde em casa. Inventava viagens para assuntos da empresa e caia na farra.
            Tiveram três filhos, hoje com seis, quatro e dois anos. O mais velho não se parecia muito com ele, mas tinha o seu tipo físico. O do meio tinha a pele morena, mais parecida com o tio, irmão mais velho de Branca. E o caçula com cabelos aloirados e olhos claros. Branca passa a maior parte do tempo com a mãe, enquanto o marido trabalhava.
            Como diversão iam quase todo final de semana, ao salão de dança. Deixavam as crianças com uma vizinha e lá iam.  Branca adorava a dança desde a primeira vez em que ali estivera. Se Amâncio se cansava, ela saia pelo salão até ser convidada por alguém. Todos queriam dançar com ela por dançar tão bem. E assim ia até o início da madrugada. Alguns amigos insinuavam maldades, pelo gosto dela por festas.  Amâncio não ligava e dizia ser devido a educação religiosa que recebera, talvez ela estivesse maravilhada em poder dançar sem o rigor do pai lhe proibindo. Às vezes ia apenas na companhia da mãe e do amigo de seu pai, o descendente de holandeses, pareciam pai, mãe e filha; isso quando Amâncio viajava ou ficava de plantão no final de semana. Segundo diziam, ela dançava até madrugada sem se cansar. Ele não se importava, até fazia gosto que ela se divertisse.
            Com o tempo Branca foi se soltando, ficando mais ousada. Amâncio começou a adorar aquela nova fase. Passou a usar vestidos mais justos e decotados, ressaltando os belos seios, vestidos agora pouco acima do joelho, ficando mais sensual. Certa vez foram a um baile e já lá, no meio de uma dança, com um olhar provocante, ela disse ter ido sem a calçinha, que era pra não marcar o vestido. Amâncio se espanta, estranhando mais pelo fato dela ter uma educação rígida, mas estava adorando essa fase mais “solta” da esposa. “Sua louca” – disse ele, já maquinando espichar a noite. Branca realizava todos os desejos dele. Imaginava ter uma vida perfeita.
            Era uma família feliz. Pelo menos até três meses atrás. Branca carregava o filho mais novo no colo quando atravessava a rua. Foi atropelada e ao cair bateu com a cabeça no meio fio. Foi socorrida, mas morreu dois dias depois. A criança, também foi internada, com fratura exposta, sendo operada para reconstituição da perna direita. Necessitou de transfusão de sangue. O de Amâncio não era compatível para doação. Ele acha estranho porque o da esposa, ele sabia ser igual ao seu.
            Cerca de um mês depois, ainda com dúvidas sobre o exame de sangue. Ele procura um médico, amigo de sua família. Já na primeira consulta, o médico pergunta sobre doenças que tivera. Amâncio fala de quando morava no sítio e tivera caxumba e houve inchaço dos testículos. Intrigado o médico pede um exame de espermograma.
 





Walter Peixoto
13/08/2012






Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 15/08/2012
Código do texto: T3832480
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.