O despreparado ladrão de túmulos

Jogou a mochila por cima da parede gasta e amarelada, se afastou uns quatro metros, tomou impulso, correu e conseguiu jogar as mãos no topo do muro. “Ainda bem que os cemitérios ainda não estão usando cercas eletrificadas”, pensou Barros enquanto escalava. Achava impossível ser flagrado às 1h30min da madrugada. Sabia que o coveiro não permanecia naquele cemitério à noite, além de haver poucas residências nas proximidades.

“Só mesmo aquela megera maldita para me obrigar a uma ação dessas”, pensava irritadamente. “Eu merecia ter ficado com aquele colar de ouro e diamantes. Nossa, quanto dinheiro aquilo não deve valer”, sonhava. Ninguém imaginava que a senhora Beatriz Almondes, falecida há oito dias iria pedir em testamento para ser enterrada com seu colar, muito menos que iam obedecer esse sinistro desejo. Barros havia cuidado da idosa nos últimos cinco anos, prestando os mais variados serviços, de enfermeiro, no qual era formado, segurança, motorista, cozinheiro, fazia de tudo para ser incluído no testamento da idosa, que com seus 85 anos dava mostras de que ia chegar aos 100. Isso não ocorreu, vítima de um infarto faleceu repentinamente em seu quarto.

Como não tinha filhos, havia parentes distantes em linhagem sanguínea, no entanto, próximos na pretensão à fortuna da idosa, composta de imóveis e muito dinheiro no banco. A surpresa de todos foi grande quando ela deixou tudo para igrejas e instituições de caridade.

Realmente uma surpresa, já que não se tratava exatamente de uma pessoa amável. Adorava dar com a bengala em pessoas que tinham o hábito de tecer comentários ou fazer perguntas consideradas impróprias. “Seu inoportuno”, dizia ela antes acertar a bengala no falador de plantão. Era difícil lidar com a senhora Beatriz. Não houve choro no velório, apenas do Barros, que pelos cantos, lamentava ter ficado com tão pouco depois de tantos serviços gentilmente prestados e gordamente remunerados.

Foi no velório que se decidiu por roubar o colar de ouro e diamantes que estava no pescoço do cadáver.

Sentado em cima do muro ele viu os faróis de um carro se aproximarem perigosamente, dobrando em seguida na esquina. Virou-se para dentro do cemitério e saltou. A aterrissagem doeu um pouco. Os seus 1,65 de altura não o tornavam muito alto. “Quando por as mãos nesse colar, não me chamarão mais de tamborete”, concluiu. No entanto, planejar era bem mais fácil do que executar.

Sentiu calafrios percorrerem todo o seu diminuto corpo ao olhar ao redor e ver árvores mortas com galhos retorcidos, estátuas de anjos, mausoléus e muitos túmulos com cruzes. Havia uma atmosfera esquisita naquele lugar. As luzes dos postes internos garantiam que não precisasse fazer uso de lanterna, embora a tivesse trazido, mas diminuíam o medo. Resolveu ser rápido, quanto mais rápido fizesse aquilo, mais rápido sairia dali e poderia gastar o dinheiro do colar.

Segurando a mochila com a mão direita caminhou em direção ao túmulo onde o caixão da senhora Beatriz havia sido sepultado. Trazia um pé de cabra, uma máscara, lanterna, martelo e formão. Seria difícil abrir a chamada gaveta do grande túmulo de mármore branco, mais difícil ainda seria puxar para fora o caixão e empurrá-lo novamente. Barros não era exatamente forte, nem bonito, diga-se de passagem, seu rosto redondo e marcado por cicatrizes de espinhas somado a calvície precoce não o tornava um atrativo para o sexo oposto, acrescentando ainda uma natureza difícil. “Mas isso mudaria quando tivesse mais dinheiro”, sonhava.

Quando chegou ao túmulo, não deixou de pensar no desperdício que foi aquilo.

- Ela não merecia isso tudo – falou baixinho – era uma megera infame!

Abaixou e pegou o martelo e o formão com o qual abriria a gaveta, selada com cimento. Quando tivesse de recolocar o caixão usaria uma argamassa que trazia na bolsa, serviria para disfarçar a violação e o roubo.

- Nunca descobrirão – falou seguido de um sorriso maldoso.

Apoiou o formão na base da gaveta e começou a martelar.

- O que pensa que esta fazendo, seu inoportuno! – ouviu a voz familiar seguida de uma forte bengalada na cabeça.

Barros caiu e ao ver a senhora Beatriz trajando o mesmo vestido branco com o qual estava vestida no dia do velório, suas rugas, cabelos brancos, altura considerável, expressão zangada no rosto, não teve dúvidas, fez o que qualquer ser racional faria de ante de alguém que já morreu e volta para uma visita, levou as mãos à cabeça e começou a gritar.

- Pare de gritar imbecil – rosnou a idosa.

Escutando-a, mas sem lhe obedecer, conseguiu ficar em pé aos tropeções e correr.

- Você está morta velha desgraçada – falou enquanto corria.

- Não volte mais aqui, seu inoportuno! – ela respondeu usando a injuria preferida que havia se tornado um bordão enquanto viva e parece que enquanto morta também.

Barros corria, ao chegar à parede do cemitério, mesmo com todo o impulso que pegara, não conseguiu alcançar o topo na primeira tentativa, voltou e tentou mais três vezes com o desespero crescendo dentro de si. Ao chegar no topo e se jogar do outro lado deu de cara com uma viatura da Polícia Militar. Os policiais o imobilizaram enquanto ele gritava e se debatia, não precisavam ser investigadores para saber do que se tratava. Entraram no cemitério, viram as ferramentas jogadas e descobriram logo que tinham nas mãos um violador de túmulos. Barros foi conduzido a delegacia de Polícia Civil, onde ficou detido por ter sido preso em flagrante. Jamais se aproximaria do túmulo da senhora Beatriz novamente.

FIM.

Aermo Wolf
Enviado por Aermo Wolf em 08/08/2012
Código do texto: T3820767
Classificação de conteúdo: seguro