Relembrar
Talvez você não tenha notado, mas enquanto virava as costas e fingia não me ver ou sentir o que eu sentia, eu parti, não para longe, tampouco bem perto, parti para onde você um dia esteve, para o passado, para onde seu sorriso era meu abrigo e o doce e refrescante contato das suas mãos prendendo-se as minhas, em um entrelaçar de sentimentos, era minha fé. Onde a passiva calma era o carinho que me fazia, e o mundo girava sob meus pés.
Encolhida entre o frio e a abstinência, meu peito gritava em chamas vivas, meus dedos tremiam, a pele onde um dia a tua pele fria tocava e o calor que não incidia, mas perdurava em uma breve troca de olhares ou o beijo amassado que a mera lembrança ainda tira-me o ar – sim, eu estava apaixonada, e meu peito frio e inerte ainda clama por um pouco da vida que só tu poderia me dar.
Deixou-me a caminhar sobre lápides, e eu sorria a cada passo, pois ouvia o leve sussurrar que o vento trazia até mim, tua voz a cantar docemente uma última nota de amor.
Mas sabe, queria ainda caber nos teus braços, o aperto leve e sublime que fazia com que as lágrimas que por vezes deixei cair em tua presença, dissipassem-se em fagulhas de soluços e, enquanto a calma me tomava novamente eu me perdia em teu frio e carinhoso abraço... Minha cabeça sobre teu peito, minha respiração fraca, o cheiro da tua pele que ainda ficava na camisa ao qual deixava cair minhas lágrimas, e o pulsar ritmado do teu coração... Tudo era tão mágico, tudo era tão meu. Mas tudo se perdeu, como as cinzas deixadas após um pôr do sol a margem do mar, cinzas levadas pelo vento frio que vinha acalentar o corpo cansado que vagava nas ruas a procura de uma forma de aliviar a dor que palpitava no peito dolorido, um consolo maior que as palavras que caiam leves entre seus dedos e raspavam a linha do papel em busca de uma forma de se firmarem em algo mais forte do que a pobre condenada que as deixou escapar, formando-se assim uma parte externa de mim, um poço onde as emoções mais profundas repousavam e nunca eram sentidas por aqueles que não sabiam decifrar o real sentido do amor.
Respiro calma e lentamente, levanto-me da areia que ainda faz cócegas em meus pés, passeio entre as cálidas águas que agora me cobrem até os joelhos, finjo estar protegida de todas as coisas que o mundo pode me causar, sorrio e vejo que o sol se foi mais uma vez, rastejo meus pés até a casa que nunca foi minha, olho a mim mesma e percebo, talvez seja uma boa hora de tomar uma decisão, deixo cair minha angústia, fecho meus olhos uma última vez, enterro fundo em meu peito o passado que daqui para frente juro não me atormentar mais, sinto que posso fraquejar, meus joelhos tremem, minha mão alcança a maçaneta da morta, ela está quente, giro-a silenciosamente e não olho mais para trás, dou o primeiro passo em direção ao futuro e sigo por um caminho onde sei que estarei sozinha, mas a pior parte passou.
Relembrar.