O ENIGMA DO PALHAÇO

Eu sempre ficava imaginando a pessoa que existia atrás daquela maquiagem pesada, daquele nariz vermelho, e peruca engraçada. Talvez essa minha curiosidade matasse a piada, desabitasse a arte daquela alma. Diferente das outras crianças, o palhaço não me fazia medo, nem mim fazia rir, ele me fazia pensar.

Era perturbador tentar adivinhar o que realmente ele sentia, já que sua arte era fazer as pessoas rirem não se tinha outra imagem, se não a de uma pessoa feliz por trás daquele artista. Porém pra mim seria muito pobre imaginar, que ele era feliz 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Como o circo ficava apenas 1 mês na cidade a cada ano, era difícil pesquisar com os olhos o que o palhaço sentia naqueles espetáculos. Só tinha uma coisa a ser feita, perguntar!. Apesar das lendas que cercavam o povo circense, de que eles eram pessoas estranhas, ciganos, que raptavam crianças, não tive medo, mesmo pequeno e indefeso, precisava desvendar o enigma que criei. Então esperei até o fim do espetáculo para sacudir minhas perguntas sobre aquele misterioso personagem.

Sem plano traçado, apenas esperei até as luzes daquela gigantesca lona se apagarem, e as pessoas presentes irem embora. E assim ao fim do espetáculo, os artistas voltavam pro seu acampamento, alimentava e guardava os animais, e toda aquela alegria que habitava o decorrer do show, dava espaço para um silêncio tão triste, e frio, e agora eles deixavam de ser extraordinárias para serem simples trabalhadores cansados e famintos.

Não sabia por onde começar, eram tantas cabanas, e uma unica seria a do palhaço. Seria suspeito sair perguntando, pois uma criança não deveria estar ali, naquela hora, pensariam que estaria perdido, e assim estragariam minha ambição de resolver tal enigma. Tomei todo cuidado do mundo, andei como se estivesse pisando em ovos, qualquer passe em falso, qualquer comportamento incomum. acabaria com a chance de desvendar-lo.

Então andei, enquanto alguns artistas ainda trabalhavam, toda ilusão do espetáculo iria se desmanchando com meus passos. Passar por aquele mágico sem sua cartola, tornando ele um homem comum, como todos homens que acreditava no impossível. Os trapezistas sem estarem pendurados lá no alto do picadeiro, aqui no chão, se tornavam normais também, como todos os homens, que não possuem asas para voarem sozinhos. E assim todos os artistas que eu via sem estarem atuando acabavam se tornando pessoas normais, trabalhadores como todos os outros, e tudo pra mim começava a fazer sentido, um sentindo cinza, com cheiro de realidade.

Depois de alguns desencontros, a sorte finalmente me sorriu. Encontrei o refujo do palhaço, e lá estava ele ainda com aquelas roupas coloridas, retirando do rosto o seu personagem. No primeiro momento ele se assustou, uma criança ali, não era comum. Perguntou o que eu fazia? O que eu queria? se eu tinha me perdido?. Eu logo respondi, atravessando suas possíveis outras perguntas. Disse que estava ali pra desvendar um enigma, queria saber o que o palhaço sentia, se ele só sorria. Para um adulto eram perguntas tolas, mas para uma criança curiosa, era um descobrimento, que se igualava a qualquer outro.

Ele sorriu, um sorriso cansado, mas sorriu. Para ele minha louca expedição até ali, mesmo sem significado lógico, tinha um pouco de razão. Cabia lógica na minha explicação, quando eu contei, que sempre ficava imaginando a pessoa atrás do palhaço, pois, pra mim ele era a pessoa mais feliz do mundo, trabalhava cativando sorrisos das pessoas, fabricava alegria, e como ás vezes eu me sentia triste, queria saber como era ser sempre feliz. Terminada a minha explicação, ele levantou, pegou uma toalha e passou no rosto, e ali se iniciou um silêncio perturbador, dava para escutar os grilos, até o falhar elétrico da lâmpada, mas nada me detraia, atento esperei respostas enquanto ele se limpava.

Olhou pra mim, já sem aquela maquiagem, sem sua peruca e nariz vermelho. Olhou pra mim com a cara nua, já se tornando um homem comum, me admirei em ver aquele rosto cansado, cheio de rugas, e sinais de preocupações, aqueles olhos tristes transbordando solidão. Sim, eu já não tinha mais tanta certeza das minhas conclusões, já não o achava o homem mais feliz do mundo. Aquela expressão cansada, me falava muito, o suficiente para quase desvendar o enigma do palhaço.

Hoje em dia, nem lembro o que ele falou pra mim, pois não foi tão importante, as palavras ficam menores, quando os olhos comprovam primeiro o que a gente quer saber. Apenas guardei aquela imagem triste, de um homem comum, que também sentia-se triste como qualquer outro homem, que também chorava e sofria, que também envelhecia e morria. E para uma criança descobrir isso era como crescer e ir derrubando os sonhos pelo caminho, derrubar de um tombo só muitos sonhos, um baque tão grande, destruindo qualquer sublime fantasia sobre o irreal. Afinal, agora velho eu sei, não existe uma formula para a felicidade, ela é muito complexa para caber em uma receita, só me falta descobrir como ela é tão pequena pra caber em um sorriso.

Diêgo Vinicius
Enviado por Diêgo Vinicius em 07/08/2012
Reeditado em 23/09/2012
Código do texto: T3819041
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