Uma pluma no abismo

Maurício estava eufórico aquela tarde. Havia à sua volta um clima de bem-aventurança que jamais sentira em toda a sua carreira de ator. Os amigos do teatro não cessavam de lhe telefonar, todos mesclando elogios com declarações convictas de que ele seria vitorioso e ganharia não só o prêmio de melhor ator como também o de melhor diretor, e ainda veria a peça, escrita e protagonizada por ele, ser a grande vencedora da noite. Melhor ator, melhor diretor e melhor autor de teatro, num concurso importante como aquele: caso isso acontecesse, quando poderia se repetir?

Ao telefone, ele dizia a todos mais ou menos o que estava dizendo agora ao amigo Roberto:

- Quero parar no auge, Roberto. Se for confirmada essa minha tripla vitória, como todos afirmam, encerro a carreira.

- Ficou maluco, rapaz!

- Não é maluquice, Roberto, é sobriedade. A minha idade é a mais sóbria: tenho sessenta anos e estarei pleno, caso consiga os três prêmios.

- Você pirou. Um ator sóbrio e saudável pensa em tudo na vida, menos em botar ponto final numa carreira que começa a deslanchar.

- Roberto, a filosofia oriental nos ensina que a toda plenitude se segue, necessariamente, um esvaziamento, um declínio. Essa é uma lei universal. Vou desafiar essa lei, parando no auge, você me entende?

A peça Uma pluma no abismo vinha sendo apresentada em pequenos espaços, em várias cidades do país, e sempre muito aplaudida. Mas não era só pelo raro sucesso que vinha obtendo que Maurício estava eufórico e otimista. Havia um pressentimento, uma sensação indizível, algo como um anúncio talvez de natureza transcendental, de que um momento único em sua vida de artista se aproximava. E os amigos se uniam em torno dele, cercando-o de tanto entusiasmo, tanta certeza da vitória... Ele jamais sentira em torno de si um clima de tamanha beatitude, uma certeza de estar caminhando seguramente para um gozo pleno e definitivo.

Foi o primeiro a chegar ao teatro. Antes de se dirigir aos bastidores, fez questão de percorrer a grande sala, caminhou entre as cadeiras, sentou-se numa delas e dali se pôs a imaginar a sua peça sendo apresentada no palco, tentou visualizar a si próprio no papel de protagonista. Depois foi ao palco e imaginou a grande platéia à sua frente, antecipou em seu espírito o grande momento, aquele em que o público estaria de pé, ovacionando-o com intermináveis palmas. Ele jamais havia se apresentado em um teatro tão suntuoso como aquele. A glória se avizinhava e fazia instalar-se em seu peito um tipo de inefável emoção que explodiria junto com os aplausos ao final da peça.

Nos bastidores, um minuto antes de entrar em cena, ele e todo o elenco se sentiram eletrizados naquele instante em que, de mãos dadas, gritaram com fogo nos olhos o tradicional “merda!”

Tudo aconteceu tal como esperado por todos e imaginado pela mente febril de Maurício. Quando se divulgou o resultado do concurso, ele não duvidava de que era o homem mais feliz do mundo. Levou os prêmios de melhor ator e melhor diretor, e a peça Uma pluma no abismo, de sua autoria, foi também escolhida a melhor entre tantas outras ótimas concorrentes.

Depois de tantos abraços e cumprimentos, livrou-se afinal dos amigos naquele final de tarde e foi para casa. Sentia uma felicidade, uma tal plenitude que, com isso, se convencia de que não lhe faltava mais nada.

Abriu a garrafa de champanha, que comprara em segredo, e fez um brinde à vida.

- “Não pode haver felicidade maior!” , exclamou.

Ingeriu sofregamente a bebida e se serviu de novo. Em seus olhos havia uma espécie de brilho que jamais se vira em nenhum olhar; era, talvez, a suave luz da plenitude finalmente alcançada.

- “Viver – filosofou – é buscar; eu agora tenho tudo. Estou pleno!

E, dando ao olhar uma expressão que parecia fitar o infinito, encostou o revólver no crânio e premiu o gatilho.