Lições de amor
Meu avô foi sempre muito cristão, generoso, humano. Ainda me lembro da estória que mamãe nos contava, e que descrevia um caso muito triste, quando ele perdera seu filhinho. Nos idos dos anos 30. Trabalhava com a Companhia de Terras, em Cambará, abrindo matas, fazendo pontes, construindo escolas! Londrina nem existia ainda. Estavam construindo a ferrovia que ligaria todo Norte do Paraná ao Estado de São Paulo . Ao saber da morte de seu filhinho, Valdivino, ficou inconformado, inconsolável. À época moravam num ranchinho de pau a pique, coberto de sapé, à beira do rio, sem infra-estrutura, sem assoalho, chão batido , sem saneamento, sem nada – mas repleto de amor! Minha mãe contava que a criança já nascera com problemas no cérebro(hidrocefalia?) Um dia chorou, chorou, chorou, perdeu o fôlego e morreu. Meu avô, transtornado , saiu à procura de algum lugar mais digno para o velório da criança. Bateu à porta de uma pensão,, a dona era uma imigrante portuguesa, fria como aquela tarde de junho. Foi categórica:-- ” não hospedamos mortos, só vivos”! Meu avô saiu dali humilhado, estarrecido, com os olhos marejados de lágrimas, sem esperança, com o filho morto nos braços. Voltou para casa, deixou o filho morto e foi tomar outras providências . Decidido, foi à escola, e pediu à professora que cedesse o local e as crianças para velar o seu anjinho, e assim o fizeram. Mamãe,- criancinha à época,- juntamente com sua irmã mais velha, Maria, foram para a mata, com os coraçãozinhos despedaçados de dor, apanhar primaveras roxas e colocaram sobre o esquife branco, de anjo! Momentos tristes, de dor intensa, por que passamos em nossas vidas! Mais tarde, passados alguns anos, agora já aqui em Londrina, quando veio com a Companhia de Terra Norte do Paraná, para abrir a cidade – mata virgem , vegetação fechada, perobas quilométricas, povoada de macacos de todos os tipos, onças pintadas, jaguatiricas, cobras de toda sorte, , picadas e mais picadas a serem abertas, um engenheiro que ajudava na construção, sofreu um pequeno acidente : ao abrir uma picada, ou colocar estacas para demarcação da área, tropeçou em um cipó, caiu sobre um toco que lhe cortou o abdômen. Em princípio não pareceu tão grave, mas , levaram-no para o Hospital. Lá ele ficou internado durante muitos dias, seu estado foi piorando, a infecção, antes localizada, atingiu a corrente sangüínea e levou-o a óbito em vinte e quatro horas. Foi uma comoção geral. A cidade chorou a morte deste jovem engenheiro, tão cheio de vida, de planos, de sonhos, que ficaram para trás. Mamãe, criança muito curiosa e cheia de amor, conta que foi junto com o Vovô visitá-lo no Hospital várias vezes . Observou que ele estava sempre com uma meia preta... Em homenagem a este moço bonito, jovem, destemido, o Vovô escreveu-lhe alguns versos: “Descrevendo um caso triste/que nenhum peito resiste/que em Londrina sucedeu/um jovem na flor da idade/jovem de muita amizade/por um desastre morreu/ Dia oito de novembro/às duas horas bem me lembro /quando a notícia correu/as aves jamais cantavam/moços e moças choravam/e o ar se entristeceu!/e Era um jovem destemido/morreu sem dar um gemido/para seus pais consolar/Em seus momentos de agonia/a seus pais ele dizia/Por que estais a chorar/Eram prantos e mais prantos/Pediam a todos os Santos/Mas as preces foram em vão/Deixando seus pais queridos/Dando suspiros doídos/duas irmãs e um irmão/Todos nós fizemos prece/certos de que Deus não esquece/De lhe dar a salvação/A um jovem na flor da idade/Que deixou tanta saudade/E baixou o frio chão”! Esta poesia fez parte de um livreto que ele editou com alguma de suas obras, e que, infelizmente, não temos nenhum exemplar. Mas o que gostaria de destacar é o seguinte. Um dia ele pegou este livreto e foi até à pensão dos Raia, em Rolândia, cidade próxima a Londrina. Lá chegando, apresentou-se para a Senhora Raia: boa tarde, sou aquele Senhor que há alguns anos atrás te procurou em Cambará, com meu filho morto nos braços e você me negou a hospedagem. Venho trazer-lhe um presente – neste livro faço minha última homenagem a seu filho , com quem tive o prazer de trabalhar e por quem tive grande apreço. Fomos bons camaradas, lamento profundamente a sua morte tão precoce e trágica! A mulher pegou o livreto, leu comovida os versos, abraçou-lhe e pediu-lhe milhões de desculpas, chorando compulsivamente. Lições, legado que nosso avô nos deixou de amizade, respeito, solidariedade, perdão!
Era um homem popular – tinha amizade com todos, do mais simples e humilde operário, ao do mais alto escalão. Aí incluíam-se os grandes da companhia inglesa, Mr Arthur Thomas, Willie Davis, etc. etc. Todos gostavam do Zé Leite, grande desbravador, sertanista, líder de todo aquele povo sofrido, poeta e seresteiro das noites de Londrina! Em sua homenagem , uma rua de Londrina recebeu seu nome: Rua José Leite de Carvalho – fica no Jardim Lilian, perto do “zerão" . Passo por lá todos os dias... e penso nesse grande homem que tanto fez por nossa cidade.