A menina e as bananas

Coitadinha da Cleide: pequenina, magricela, manchas no rosto, barrigudinha. Olhos vorazes, mas tímidos. Tinha cinco anos e vivia com a avó e a tia, desde que a mãe falecera, vítima de fulminante moléstia intestinal.

O barraco tinha quarto, sala e cozinha. Lá fora, junto à porta da cozinha, ficavam o banheiro e a casinha de Bob, o vira-lata de Tia Antônia.

Bob era, a bem dizer, o irmãozinho de Cleide. Os dois brincavam como dois filhotes a correr casa adentro, casa afora, estabanados, derrubando cadeiras, panelas; ela tropeçando e caindo e rindo, às vezes chorando; ele parando, erguendo as orelhas e abanando o rabo e sorrindo expectante.

Vovó Chica bramava com os dois, fazendo força pra ser braba, pois tinha vontade mesmo era de rir. Divertia-se. Era muito boazinha a Vó Chica.

Já Tia Antônia era muito dada a faniquitos e sempre passava descomposturas em Cleide, jogando água fria nos folguedos dos dois filhotes. A filhotinha de gente logo se acabrunhava e ficava num canto a choramingar, mas o filhotinho de cão apenas aguardava, a distância prudente, orelhas e rabo erguidos, arriscando às vezes curtos e agudos latidos.

Um arremedo de quintal tentava esconder - e quase conseguia, não fossem as moscas - um chiqueirinho onde Vovó Chica engordava um capado para o Natal. Sempre tinha um piau engordando ali para as festas de fim de ano. Havia ainda o galinheiro, com duas galinhas de pescoço pelado e um galo triste, tão mirrado que até se esquecia de cantar. E um pato branco, sujo, se arrastava pelo terreiro, grasnando a saudade de um lago que nunca tivera. Um pé de limão, um de laranja, couve, cebolinha, o chuchuzeiro... Só.

Mas a menina Cleide gostava mesmo era de bananas, coisa que no quintal de Vovó Chica não tinha. E o dinheiro era curto, só dava para atender às primeiras necessidades, destas excluídas as frutas. Vovó Chica recebia uma mísera pensão, e Tia Antônia nunca conseguia emprego. O jeito era comer angu, feijão, couve, chuchu, ovo frito com a gema mole colorindo o arroz... E esperar o fim do ano para assar o porquinho.

Vida dura. Cleide às vezes passava em frente à quitandinha e ficava olhando as pencas de banana. Quase sempre acompanhada da avó, ela retardava os passos, dedinho na boca, olhos gulosos fitando de esguelha as frutas de seus sonhos. Vovó a puxava pelo braço: vamos embora, menina; o quê que tanto você olha? Voltava para casa a menina Cleide, olhando para o chão, engolindo a saliva inútil, a mãozinha miúda e tenra escondida dentro da mão calejada da avó.

Não pedia nada à Vovó. Apenas suspirava sonhosa, pensando nas pencas douradas. Tinha banana ouro, prata, maçã, caturra, saquarema, nanica, da-terra... Da banana-da-terra ela comera certa vez o doce que Dindinha lhe trouxera no aniversário. Mas o que ela queria mesmo era descascar calmamente uma banana e ir saboreando cada pedacinho, sentada à porta da cozinha. E que nem o Bob estivesse por perto. Ela comeria a primeira e a segunda e a terceira... enquanto pudesse. Chegava até a sonhar com isso à noite.

Certa tarde, por volta das três horas, Tia Antônia resolvera sair à procura de emprego ou de esperança ou de um pouco de vida para injetar na modorra daquelas horas. Vovó Chica, no quarto, ouvia a Rádio Aparecida, enquanto olhava, embevecida e saudosa, as velhas fotografias, demorando-se em insolúveis e nostálgicas recordações. Bob, esquecido de pulgas e folguedos, ressonava junto ao velho fogão a lenha, em cuja boca dormitavam as cinzas do que antes havido sido brasas.

No almoço, horas antes, Cleide mal tocara no prato. Estava enfarada de couve com angu. O que ela queria era uma coisa só, e muito simples: bananas.

Resolveu ir dar uma olhada nas bananas da quitanda. Saiu sorrateira, devagarzinho, pé ante pé; foi se esgueirando junto à parede, sob a janela do quarto, tentando captar movimentos feitos pela avó. Subiu ainda na sapata rente à parede, ponta dos pés, olhou pela fresta, viu lá dentro a cama da tia, a cama de Vovó Chica, ambas arrumadinhas. O rádio ligado, Vovó sentada em sua grande e rústica cadeira, as fotos espalhadas sobre a mesinha. Vovó parecia que... Vovó não ouvia mais o rádio, nem olhava os retratos. Vovó estava... Vovó dormia recostada no espaldar da cadeira, a cabeça pendida sobre o ombro esquerdo.

Então a menina Cleide ganhou a rua e foi ver as bananas. Quando se aproximou da quitanda, seu coração disparou, suas mãos esfriaram; tremiam suas perninhas. Mas não iria recuar. Avançou cautelosa, mas decidida. Esticou o pescoço e pôs os olhinhos na penca mais próxima, que estava bem junto à entrada, pendurada quase do lado externo do pequeno estabelecimento. Viu Seu Joaquim, o dono, que procurava na caderneta a conta de um freguês. Aproveitou para dar o bote. Agarrou uma das bananas, mas veio a penca toda. ''Ih, e agora!'' - pensou ela, aflita, ''Alguém vai me ver!'' Ela queria pegar uma só, mas se pudesse levar a penca toda até que não seria mal. O jeito era enfiar a penca sob o vestidinho, prendê-la entre as coxinhas e ir andando com as perninhas juntas até dobrar a esquina.

Assim fez. Foi andando daquele jeito esquisito, olhando para trás o tempo todo para ver se não havia testemunhas. Felizmente a tarde era uma pasmaceira só; não havia ninguém na rua. Quando atingiu a esquina, tirou as bananas daquele insólito esconderijo e disparou para casa.

Passou pelo portão, fez a volta por trás da casa, subiu de novo na sapata, viu de novo as camas, as fotos sobre a mesinha e Vovó Chica, que continuava dormindo. Desceu em silêncio, ainda ressabiada, e encaminhou-se rápida para o quintal. A latada do chuchuzeiro dava boa sombra. Sentou-se ali e finalmente começou a comer - a comer bananas!

''Bananas! Eu estou comendo bananas!'', dizia consigo mesma, sem parar de morder, mastigar e engolir... morder, mastigar e engolir...

Num átimo comeu todas as bananas. Ficou até impressionada com a sua capacidade de comer bananas. Teve sono. Adormeceu ali mesmo.

Acordou pouco depois, se contorcendo, suando frio. Correu para o banheiro apertando a barriga com as mãozinhas. O banheiro era do lado de fora, mas estava trancado por dentro. Tia Antônia já devia ter voltado e estava lá. Aumentou-se o desespero da pequena. Mas... viu o penico no chão, do lado de fora da porta. Correu até ele, sentou-se. Começou a espremer, espremer, e nada. Apertava os olhinhos numa careta extrema, o rosto congestionado, a dor aguda nas entranhas. Espremia, espremia e nada. Nisso surgiu à sua frente o gato do vizinho. Ela detestava gatos, sempre se sobressaltava com eles. Agora não podia correr, e os intestinos não se resolviam. Fez chip! chip!, mas o gato continuou sentado à sua frente com aquela fidalguia que somente os gatos sabem exibir. E aquele olhar que parecia dizer o que os gatos não dizem.

Cleide então se lembrou da única arma de que dispunha no momento: os grampos de seu cabelo. Imediatamente tirou um deles e o atirou com toda a força no gatinho. Mas com tanta força que seus intestinos se assustaram lá dentro, e ela então obrou o que tinha de obrar. Ficou aliviada. E o gato fugiu.

Ela foi direto ao quarto acordar a avó.

- Vovó, eu fiz muito cocô. O gato, Vovó... Eu fiquei com medo dele. Vovó, acorda, Vovó! O gato, Vovó, eu joguei o grampo, ele correu, o cocô saiu. Vovó, acorda! Eu não pego mais bananas, Vovó, eu juro. Vovó!!! Vovó!!! Oh, Vovó, por que você está tão fria?