O menino-peixe

Seu Geraldo não queria que a filha Madalena se casasse com o Fernando, filho justamente do Jerônimo, o homem que tinha mandado botar fogo no seu rancho muitos anos atrás. O Jerônimo também não concordava com o casamento.

Seu Geraldo disse à filha uma tarde: "Se você se casar com ele, pode esquecer que sou seu pai. E vai ter que morar no mato."

O Jerônimo também disse ao filho uma tarde: "Se você se casar com ela, pode esquecer que sou seu pai. E vai ter que morar no mato."

Como, nesses casos, Cupido sempre vence, casaram-se e foram morar numa tapera que dias antes Fernando tinha encontrado esquecida e solitária à beira do rio.

Havia por ali também um barco abandonado, e era graças a esse barco, muito velho, mas ainda em condições de uso, que o casal se deslocava em busca de víveres no povoado mais próximo, e era também graças a ele que Fernando começou a sair para pescar quase todas as manhãs. Mas suas buscas eram vãs, pois não havia mais peixes naquelas imediações. A pesca predatória e a poluição haviam provocado aos poucos a extinção de praticamente todas as espécies de pescados. O jeito era cultivar legumes e verduras e criar galinhas e porcos, produtos que os dois levavam de barco até o povoado para vender e, com o dinheiro, comprar não só mantimentos, mas também roupas, calçados, remédios, etc.

Com poucos meses de casados, Madalena ficou grávida. Tinha muitos enjoos e desejos estranhos, como o de comer terra e rolhas de garrafa. Nos primeiros meses de gravidez, não podia sair de barco com o marido, pois nessas ocasiões não conseguia reprimir as ânsias de vômito. Depois as crises foram se atenuando até desaparecerem. Retomou de novo a rotina de acompanhar Fernando em seus passeios de barco e em suas idas ao povoado.

Certa madrugada Madalena acordou Fernando com seus gemidos. Chegara a hora. Tinham de ir às pressas ao povoado, pois nos arredores da tapera onde moravam não havia nenhuma parteira – aliás, não vivia ninguém por ali.

O rapaz ajudou a esposa a se acomodar no barco antes de desamarrá-lo para iniciarem a viagem.

Mas não houve tempo para isso. Fernando teve que fazer, sozinho, o parto de Madalena ali mesmo no barco.

O trabalho foi rápido, e Fernando chorou de alegria ao ver o filho vivo, inteiro, espertinho, já de olhinhos abertos e buscando sofregamente o seio da mãe, que também não se continha de felicidade.

Minutos depois, com mais cuidado, Fernando passou a observar melhor os traços do bebê.

"Estranho" ¬– pensou –, "esse menino não se parece nada comigo."

– Esse menino não é meu filho! – berrou para Madalena. E por mais que ela tentasse, não conseguiu convencê-lo de que estava errado. Acabou abandonando o barco com a infeliz esposa e o menino que ele supunha ser de outro.

Madalena chorou até adormecer. O barco, que Fernando desprendera do tronco à beira do rio, singrava suavemente as águas plácidas.

Quando acordou, já com o sol das dez, ela olhou o menino, que havia horas soltara o seio e a encarava com olhos fixos. Achou aquela fisionomia muito estranha. Era um menino, sim, mas havia também algo não humano naquele rostinho.

De repente o menino soltou uma espécie de guincho e deslizou por entre os braços da mãe até o assoalho do barco. Ela notou que sua pele era viscosa. Horrorizada, percebeu alguma coisa semelhante a guelras. Ele ergueu os bracinhos para alcançar a borda do barco. Subiu e se jogou nas águas do rio. Incrédula, ela viu o filho mergulhar e voltar à tona várias vezes, e ele exibia um grande contentamento no rostinho meio de menino e meio de peixe.

Mais tarde ele pôs as mãozinhas perto da proa e, com seus guinchos, apontava na direção do seio da mãe, pois queria mamar. Ela o recebeu com um suspiro de resignação. Era seu filho, de todo modo.

Madalena resolveu não prosseguir até o povoado, como pretendia. Retornou à tapera, pois sentia fome. E o bercinho do neném lá estava, preparado para recebê-lo.

Passaram a noite lá, os dois. Fernando não se encontrava. Aliás, desapareceu para sempre, acreditando ter sido traído pela esposa.

Mas o menino passou a noite toda intercalando seu chorinho de bebê com os guinchos que tanto agoniavam a mãe. De manhã, ele apontava para o rio e jogava o corpinho para frente, desejando se jogar de novo naquelas águas turvas. Madalena compreendeu que o melhor era fazer-lhe a vontade.

Levou-o de novo a passear de barco, mas ele logo se jogou no rio e só voltava à tona para mamar e receber algum carinho da mãe.

Madalena, com o tempo, acostumou-se a lidar com aquele filho diferente. Ensinou-lhe algumas poucas palavrinhas e constatou com alegria que ele, após um ano, era capaz de andar sobre os dois pés. Mas ele não dormia em casa e raramente entrava na tapera. Dormia mesmo no fundo do rio e passou a aparecer com menos frequência para ver a mãe. Apenas a cada três ou quatro dias vinha vê-la no barco. Abraçava-a com seu corpinho ainda molhado e viscoso e repetia: "mamã, mamã..." Depois mergulhava de novo para só voltar dias depois. Madalena suspirava com tristeza e tocava o barco para o povoado para ir vender seus produtos, sozinha e melancólica.

As visitas do filho foram se tornando cada vez mais espaçadas até que ele nunca mais voltou.

Muitos anos depois, Madalena continuava vivendo sozinha naquela tapera. Lembrava-se sempre do filho e da gravidez. Comera, na época, terra e rolhas de garrafa, quando lhe vinham esses desejos estranhos. Mas, o dia em que desejara comer piau assado às duas da madrugada, Fernando não conseguira pescar nenhum. E ele ainda lhe dissera: tomara que nosso filho não nasça com cara de peixe!

"Será que foi isso?" – ela se perguntava de vez em quando, tanto tempo depois. E o marido não estava ali para entender e reconciliar-se com ela.