Um Monstro de 30 metros

Um Monstro de 30 metros

Quando ainda existia o Clube Português aqui em Salvador, ali na orla, era um dos únicos clubes, junto à Associação Atlética da Bahia a possuir um trampolim de vários metros de altura. Só que este primeiro, era o único clube que possuía um a ser utilizado, já que o da AAB estava interditado por vários anos, depois de ser palco da morte de uma pessoa que bateu a cabeça ao pular e acabou se afogando.

Pois bem, sempre que ia ao Português, observava as pessoas pulando do trampolim, que deveria ter uns cinco ou seis metros de altura. Lá de baixo, parecia muito fácil saltar do seu alto, e por isso, me enchia de coragem e subia as escalas para chegar até o topo. Lá de cima a perspectiva era completamente diferente. Via todas as pessoas bem pequeninas... A água da piscina estava muito abaixo do que eu imaginava e a impressão que dava é que o trampolim se agigantava a vinte ou trinta metros de altura.

Segurava- me com força à balaustrada com medo de alguém me empurrar alegando apenas uma “brincadeira”. Passavam por mim várias pessoas: adultos e crianças, e até meus primos, que pulavam sem nenhuma cerimônia.

Porque para eles parecia ser tão fácil e eu tremia de medo, sem falar da relutância que me infligia para pular dalí. Com o “rabo entre as pernas”, eu descia e voltava para a mesa onde a minha família estava. Durante o caminho de volta, na escada que me levava à segurança do solo, acontecia algo interessante. Como é óbvio, quanto mais eu descia as escada, a minha distancia para o solo diminuía, porém minha coragem se elevava de forma inversamente proporcional.

Depois de mordiscar alguns petiscos e com o peito estufado de coragem, eu subia novamente a escadaria que me levava até o trampolim. Lá no alto, eu, novamente começava a tremer com a visão de um precipício sob meus pés e uma vez mais, desistia de saltar.

Isso aconteceu por umas 3 visitas àquele clube, sendo que nessa última, em um dos últimos momentos, quando eu estava subindo as escadas - nervoso - comecei a esvaziar a minha mente. Segurando-me no corrimão, postei meus pés bem na beirada e comecei a pensar:

O que me faz diferente dos outros? Porque dezenas de crianças pulavam, depois voltavam para o trampolim e pulavam novamente e eu não conseguia fazer isso nenhuma única vez?! Porque quando eu estava de fora, aquele trampolim parecia ser tão pequeno e inofensivo e quando eu estava lá em cima ele se transformava em uma das bestas do apocalipse?

Sendo como for, quando eu estava ali "limpando minha chaminé", eu ia chegando milímetros mais para frente, os dedinhos dos meus pés já estavam pra fora da boca daquele monstro.

Por final, e não depois de muito pensar, entendi que tinha uma amarra psicológica que me prendia ali. E ainda, o mais importante: entendi que depois do pulo, esta amarra, não poderia fazer mais nada para me segurar. Era pura questão de inevitabilidade, física, gravidade. Naquele momento, eu havia trocado a inércia do meu corpo por energia potencial. A metade dos meus pés estava para fora da borda de concreto e eu não mais me segurava na balaustrada.

Eu mal conseguia me equilibrar, e isso me ajudou ao me permitir cumprir aquela missão. Passar por cima dos meu medos, combater meus maiores monstros. Liberei meu corpo e, fazendo isso, foi como quase tivesse escutado o som daquelas amarras se quebrando atrás de mim. No milésimo de segundo que se seguiu, ja estava em queda livre. E acredite, já tinha me arrependido profundamente do que eu havia acabado de fazer. A queda, em minha realidade, durou eternos minutos de agonia. A gravidade agiu em meus órgãos e eu senti tudo dentro de mim subir pressionando minha cabeça. Meus braços giravam como se para compensar desesperadamente alguma coisa.

Em meio aos meus pensamentos, quebrei a tensão superficial da água e tudo ficou confuso. Ouvia o som da turbulência em meus ouvidos e a agitação do meu corpo brigando para voltar para a superfície. Ao chegar lá, respirei como se quisesse inalar todo o ar daquele mundo. A adrenalina deu lugar às endorfinas... Alivio... Muito alívio.

Eu havia vencido! Depois do pulo, aquele monstro com dentes afiados e que cuspia as pessoas de lá de cima, voltou a ser um simples trampolim. Se eu soubesse todo esse tempo que a única coisa que eu precisava ter feito era permitir que meu corpo tendesse para frente, e depois disso, a inevitabilidade faria todo o resto, teria pulado de lá há mais tempo.

Hoje, sei que cada um tem seu tempo, que provavelmente todas as pessoas que subiram alí pela primeira vez, titubearam pelo menos um pouquinho, ou passaram dias sem pular, como foi o meu caso. Sei também que, de alguma forma, todas elas venceram algum medo em sua vida. Combateram algum monstro bem feio e feroz.

O clube foi demolido, e hoje, repousa no lugar daquele ex-monstro uma praça com grama verde, e equipamentos de ginástica. Provavelmente, o trampolim deve ter sido usado para aterrar o buraco da piscina, e está ali enterrado sobre um lugar totalmente diferente. Como um monstro que matei e que jaz em sua própria cova.

Acho sempre que é uma boa analogia para as mudanças que ocorreram dentro de mim.

Para CPAP

Primeiro de agosto de 2012

Duke Webwriter
Enviado por Duke Webwriter em 01/08/2012
Código do texto: T3808198
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