Garrafadas
Havia de tudo: cataplasmas, unguentos, óleos e pomadas para dores reumáticas, musculares, de dente, de ouvido; chás de raízes e ervas secas para bronquite, anemia, pedra no rim, ressaca; e as famosas e desejadas garrafadas, uma infusão de cachaça com a combinação de diversas ervas, portando rótulos com nomes sugestivos. A descrição dos males curados com a bebida ia desde amidalite até sífilis. Passando, evidentemente, pelo desânimo sexual e pela dificuldade em engravidar.
Genésio ganhava a vida assim, vendendo suas ervas do bem, como ele apregoava, na esquina entre duas ruas movimentadas da cidadezinha. Sempre atento à fiscalização, que vez ou outra passava por ali recolhendo muambas dos seus colegas.
Porém Genésio raramente era incomodado pelos da lei, porque era um fornecedor constante e assíduo do Sargento Figueira. Pelo menos uma vez por semana, o policial vinha discretamente à barraca do farmacêutico informal solicitar-lhe algum produto para seus males. Que eram muitos, diga-se de passagem.
- Genésio, acordei de mau jeito hoje, me dói a lombar... que é que você tem aí?
- Leva esse emplastro de arnica e pimenta-malagueta, Sargento.
-Genésio, passei a noite no trono!
- Toma, faz um chá desses brotos de goiabeira. Coloca um pouco da casca de romã também, leva um pacotinho.
- Ai Genésio, me saiu uma afta tão grande na boca...
- Aqui, ó, faz bochecho com infusão de cavalinha, três vezes ao dia.
Reumatismo? Sucupira. Micose? Folha de mandioca. Gases? Erva doce. E assim seguia Genésio, curando o sargento e comercializando suas ervas sem incômodo.
Um dia o sargento chegou sem queixas e mais animado que o normal.
- Genésio... conheci uma morena... acho que no fim de semana vou encontrá-la! Será que você...
- Quem é a morena, Sargento? – perguntou Genésio.
- Ah, não vou dizer não... mas depois eu te conto. Me vê alguma coisa pra eu não fazer feio! - E esfregava as mãos, ansioso.
O agora amigo comerciante de ervas do bem sorriu, maroto.
- Se é assim, acho que ela merece essa garrafada de catuaba, ginseng e nó de cachorro. Pode tomar, sargento. É batata!
Na semana seguinte, Figueira chegou com um sorriso imenso no rosto bolachudo.
- Genésio, meu amigo... aquela sua garrafada foi providencial! Passamos o fim de semana todo no bem-bom. Há muito tempo não me sentia tão jovem! Obrigado de verdade. Valeu os duzentos que você me cobrou pela bebida, seu mercenário duma figa...
- Agora o senhor pode me contar quem é a morena, Sargento? – perguntou Genésio.
- Claro – respondeu Figueira. – É a Maria da Conceição, do bairro da Ponte, filha da dona Esperança costureira. Conhece?
Genésio empalideceu, engoliu em seco e nada respondeu. O policial não se incomodou e foi embora satisfeito, desta vez sem levar nenhum remédio.
Mais uma semana e o sargento acordou com uma queimação no estômago. De longe avistou a esquina onde seu amigo das plantas tinha fincado raízes, mas, para sua total surpresa, ele não estava. Figueira ficou desnorteado e correu até o local, pensando em perguntar por ele para seus colegas de barraca; porém, mal o policial despontou na esquina, os camelôs recolheram suas coisas e dispersaram.
Um menino, no entanto, aguardava parado no exato local onde costumava ficar a barraca das ervas. Tinha um bilhete nas mãos. Ao avistar o sargento, chegou-se até ele, entregou-lhe o bilhete e saiu correndo, descalço.
Figueira abriu o papel.
“Sargento Figueira, o senhor deveria ter dito antes quem era a tal morena. A Maria da Conceição comprou minha garrafada mais poderosa (a segunda é aquela que o senhor levou, a 'Sempre Alerta'). Essa se chama 'Agora Vai' e é feita de Pé de Perdiz, Barriguda, Beijo Branco, Algodãozinho e Anis Estrelado. Tiro e queda pra engravidar... Assinado, Genésio Cauá .”
O sargento tremia, mas ainda pôde ler no rodapé:
“P.S: Não se apoquente, Sargento: estou deixando com o senhor também a cura. Deposite R$ 500 em minha conta. Os dados do banco estão logo abaixo. Volte em um mês que eu lhe entrego um litro da minha terceira garrafada mais poderosa: 'Foi Mal', a abortiva.”
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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Para todo mal, a cura".
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