O FLORISTA
O FLORISTA
João José, chegara do interior da Bahia no dia 24 de dezembro de 1949, como era véspera do Natal, havia uma grande aglomeração de pessoas, as chamadas retardatárias, que iam em busca de alguma lembrancinha. As lojas estavam apinhadas, as últimas estatísticas davam por conta de que esse seria o Natal, mais promissor para o comércio. E pelo visto as previsões estavam se confirmando.
João José era filho de D. Tomásia e D Sr Joaquim Trindade, tinha seis irmão por parte de pai e dois por parte de mãe, a quem diga que ela dava-se melhor com esses dois últimos. joão, tentara a vida sem êxito, e por isso estava vindo para a capital no intuito de estudar, e trabalhar.
Estudara até o sexto ano, e não via a hora de voltar, á sala de aula, pois tinha a pretensão de num futuro próximo abrir sua própria oficina de automóveis, e como dizia ele, precisava saber atender bem aos seus clientes e, para tal o estudo era indispensável.
João, a princípio fora morar num pequeno quartinho próximo do centro da cidade, mas não se adaptou em face do grande movimento do dia a dia. E também em face da vida noturna intensa, que ia mais ou menos até às 4h da manhã, onde prostitutas, travestis e traficantes tomavam conta do lugar.
Após três meses, ele mudou-se, para um bairro mais afastado, é notou que a problemática era quase a mesma, guardando as devidas proporções. Era coisa de cidade grande.
A princípio fora trabalhar, numa oficina mecânica de um conterrâneo, o Sr. Jorge Mendonça, amigo de seu pai, e esperava lá aprender o suficiente, e juntar algum dinheiro, para depois poder realizar o seu sonho, que era abrir sua própria oficina.
O referido estabelecimento era bastante frequentado, sempre tinha serviço e, ele e os outros quatros mecânicos e mais o eletricista, eram requisitados a todo instante. O Sr. Jorge Mendonça o administrava, intervindo quando se fazia necessário, como no caso, do carro de Mello Morais, que só queria que ele o concertasse, e assim como ele,uns outros dois clientes, que já o conhecia a anos. Contudo, essas intervenções eram bastante esporádicas, pois os profissionais que trabalhavam com eles eram todos competentes e davam conta do recado.
Mércia, filha de Jorge ficava no caixa, moça bonita, aparentando uns vinte e dois anos, sai sempre às cinco horas, pois ia para a faculdade, onde estudava administração. Quando ela saia, seu pai assumia também essa função.
João procurava aprender o máximo, mostrava-se bastante interessado, chegava cedo e era sempre o último a sair.
No segundo semestre, consegui vaga para estudar a noite, num colégio ali perto, ele exultou de alegria, pois não só não chegaria tarde ás aulas, assim como economizaria em transporte, desde que estava juntando dinheiro no escopo de num futuro próximo colocar em prática os seus sonhos.
Os dias transcorriam sem nenhum inconveniente, ele mandara no final do mês, algum dinheiro para sua irmã mais moça, a Silvia, e para sua mãe, D. Tomásia.
Afeiçoara-se a Julio Augusto, o eletricista, e a amizade dos dois lhe era bastante proveitosa, pois nas horas vagas, Augusto deva-lhe alguma noção de eletricidade automotiva. E ele avidamente absorvia todos os ensinamentos.
João e Mércia trocavam olhares, o que não passou despercebido, de Júlio Augusto, que no anonimato nutria grande simpatia pela jovem, e de certa forma tinha alguma esperança de que, algum dia a mesma o notasse, com mesma admiração.
O outro que notara a simpatia mútua, fora o pai da jovem, O Sr Jorge, e este de forma alguma concordaria com tal romance, isso devido a diversos fatores, e entre eles, o de que, o mesmo nutria a esperança de vê-la casada com o filho de Carlos Cunha, um amigo de infância, e empresário também do ramo. O mesmo acreditava piamente que com esse casamento, poderia fundir as duas empresas e esse era o seu sonho, e a filha de certa forma poderia ajudá-lo em tal desiderato.
A partir da descoberta do flerte de ambos, as coisas ficaram um pouco difícil para João. Júlio, o eletricista, já não demonstrava a mesma amizade de antes, enquanto o Sr. Jorge Mendonça o observava a contragosto.
Os dias foram se passando nesse clima de quase hostilidade, contudo João José continuava trabalhando normalmente, e cada vez mais crescia, sempre solícito, agradava os fregueses, que não lhe poupavam elogios, e polpudas gorjetas, e isso também desagradava aos outros funcionários.
Quanto a Mércia, era visível a sua simpatia por ele, e isso feria mortalmente a Júlio, que a todo custo tentava dissimular o ciúme que o consumia.
No domingo, por acaso, Mércia e João José se encontraram no jardim zoológico, e esta era a oportunidade que precisavam, e que a vida se incumbiu de providenciar. Ele sem saber do amor que Júlio nutria pela Mércia, contou ao amigo do seu namoro, e não notou a insatisfação e a raiva estampada no rosto daquele que se dizia seu amigo.
Dali por em diante, sempre eram vistos juntos, sempre que tinham oportunidade, e nem é preciso dizer, que Júlio e Sr. Mendonça estavam por demais contrariados.
Sem perceber as intenções frívolas do eletricista, quando o mesmo o convidou para trabalharem juntos no sábado, pois o mesmo teria a oportunidade de aprender um pouco mais, e por se tratar de um carro importado, essas chances seriam ainda bem maiores.
No horário combinado, deram início ao reparo, e depois de três horas de exaustivo trabalho, deixaram a oficina, de onde cada um demandaria para a sua residência. Contudo, Júlio, não, este voltara à oficina e executara o seu plano.
Na segunda-feira, para surpresa de João, quando o cliente fora buscar o automóvel, o mesmo não funcionava a contento, e amigo o acusara de negligência, acusando-o sem cerimônia, dizendo ser ele causador do prejuízo.
A avaria orçava maios ou menos em mais de dois mil reais, quase quatro meses de seu salário. João não entendia como aquilo poderia ter acontecendo, ele acreditava que Júlio era seu amigo, e ademais quando saiu no sábado tudo estava funcionando a contento.
Sr. Mendonça, não perdera a oportunidade, e a demissão de João naquela manhã foi eminente. Mércia fora sacudida pela notícia e inconformada, ainda tentou argumentar com o pai, que inflexível, manteve a sua decisão.
Júlio, sem nenhum remorso, observava a saída cabisbaixa do até então amigo, e por dentro festejava aquela vitória inescrupulosa.
João saíra ainda sem compreender o que tinha acontecido, até certo ponto era ingênuo, e não notara que havia caído em uma armadilha.
Andava absorto, quando um cartaz o chamou a atenção, precisa-se de jardineiro, o primeiro ímpeto foi o de se apresentar como pretendente à vaga, porém logo recuou, ele não entendia nada de flores, obtemperou.
Contudo, lembrou-se que estava desempregado, e tal realidade o fez apresentar-se como candidato.
Tratava-se de uma empresa, que trabalhava com jardinagem artística,ele ficara encantado, como poderia aquelas árvores darem vida a figuras tão reais.
Ele demonstrou interesse em aprender, e após rápida entrevista fora admitido como aprendiz, e ganharia uma ajuda de custo.
João estava radiante, e logo começos a observar com grande atenção. Desdobrava-se, fazia de tudo para cativar, e tal procedimento não passou despercebido.
Aquelas mãos calosas, acostumadas a levantar grandes motores, trabalhava com tesouras delicadas, com réguas, com fitas adesivas e traçavam desenhos delicadíssimos.
Os dias foram se passando, Mércia, não saia do seu pensamento, nunca mais a vira desde aquele incidente. Após meses de experiência fora contratado e, cada vez mais se esmerava, tomou gosto pelo ofício.
Começou a se notabilizar pelas figuras que traçava com precisão, e isso não passou despercebido pelos responsáveis da empresa.
Várias foram as encomendas, e eles as executavam com esmero e dedicação. O mecânico cedia lugar a um exímio artista, cujas mãos traçavam figuras com grande perfeição. Ele era bastante requisitado, e a empresa aumentava cada vez mais o seu faturamento. Os colegas os chamavam carinhosamente de o florista, e a paz que o envolvia era visível por todos.
João estava feliz, assim é a vida, e devemos estar atentos, pois, quando uma porta se fecha outras tantas se abrem, e só notaremos essa dádiva de Deus em nossas vidas, senão ficarmos presos ao passado, remoendo tristezas. O que passou, passou, o importante é seguirmos adiante.
Ele e Mèrcia se encontraram!
Albérico Silva