SAVEIROS
SAVEIROS
Sobre aquele imenso e imponente mar azul balouçavam docemente os saveiros, cujas velas suntuosas e eriçadas pareciam dar boas-vindas, acenando para o mundo num cenário onde a natureza caprichara e cuja beleza contagiava a todos que viviam naquela região.
O saveiro Tomé e Souza balançava alegremente sobre as águas. E como menino arteiro, pendurava-se sobre as pequenas ondas que passavam, refletia os raios do Sol que lhe beijavam a proa, emprestando-lhe um colorido especial e soberbo.
Clóvis Tamanduá, um dos donos, terminava os últimos preparativos para que tudo saísse a contento, enquanto seus outros dois sócios descansavam a seu turno, pois a jornada seria árdua, como sempre, e logo mais partiriam destemidos, como bons aventureiros que eram.
À tardinha, quando o Sol espalhou-se pelo mar, tingindo-o com vivas aquarelas, gradações em amarelo, vermelho-laranja e marrom pintaram as velas das gabarras que estavam atracadas com pulcro dourado, derramando luzes sobre todo o ambiente. O Tomé de Souza, também recebeu seu quinhão, e com suas velas içadas começou a deslizar suavemente, afastando-se cada vez mais das margens, de onde as respectivas esposas acenavam já saudosas, com filhos segurando suas saias. Brisas fagueiras balançavam os coqueiros que se deixam levar docilmente, enquanto os pássaros aliciavam suas fêmeas com cantos maviosos.
As lâmpadas fraquinhas eram acesas nas casinhas, dispostas ao longo do Protetorado. Os pescadores mais velhos, como de costume, à boquinha da noite, sentavam-se embaixo dos coqueiros para pitar os seus cachimbos. As moças se enfeitavam e saiam todas faceiras, ali mesmo pelas redondezas, para deleite dos rapazes de mesma idade que as paqueravam.
O mar estava suave e sereno, parecia um imenso lençol de águas mansas e coloridas a refletir as embarcações, um espetáculo de encher os olhos, creditando à paisagem singular beleza, digna de ser retratada pelas mãos de algum artista.
Enquanto o Tomé de Souza se afastava, singrando docemente as águas tranquilas, o Saveiro Dois de Julho, de Zé Augusto e de Zé Teodoro, se aproximava, desandava de mais uma pescaria bem-sucedida. O foguetório rasgava os céus anunciando o sucesso da empreitada e dando boas-vindas.
Mal atracaram a Alvarenga e foram festejados pelas suas respectivas companheiras, que já acenavam tomadas de emoção, com os olhos dançando de alegria. Demais companheiros de profissão também se chegaram, venturosos, daqui a alguns dias também seriam festejados. Essa era a rotina deles.
Os sócios e compadres não cabiam em si de contentes. A embarcação estava apinhada. Eles tinham saído há treze dias, passaram bons bocados, como de praxe, enfrentaram grandes adversidades, mas estavam ali felizes diante das pessoas que eles mais amavam. O Sol finalmente fora tragado pelo mar sem resistência alguma.
A Lua, mais adiante, surgiu cingida de estrelas sorridentes. As nuvens esbranquiçadas e manchadas de azul-celeste, como pano de fundo ornamentavam ainda mais o firmamento.
Aninha Bela, também se acercou da embarcação. Sua silhueta encantava a Tião, filho de dona Tertuliana, que também regressava e a observava discretamente. Todos sabiam que ele nutria grande entusiasmo pela moçoila de pele tostada, olhos amendoados, cabelos encaracolados até a cintura fina, e de sorriso enigmático.
Toda essa passagem se dava na Colônia São Pedro, composta de dezenas de casinhas padronizadas e humildes, de paredes caiadas de branco e com janelas azuis. Eram lares santificados, em que pese as grandes dificuldades que os aceiravam.
Sob Lua generosa, os embarcadiços do Dois de Julho e demais pescadores da Colônia ainda trabalhavam sob as ordens de Zé Teodoro e Zé Augusto, classificando os peixes que logo mais, cedinho, seriam entregues a inescrupulosos atravessadores em troca de minguados trocados.
Essa situação penosa se arrastava há décadas. Eles enfrentavam ampla dificuldade, corriam riscos inimagináveis, ficavam longe das suas famílias por vários dias, privados de tudo, sofrendo toda sorte de inópia para que pudessem oferecer o mínimo possível a suas famílias e a si mesmo. E quando voltavam, o único meio de escoarem a produção era entregando-a nas mãos de intercessores que os esbulhavam de forma infame.
A consequência desse abuso era a miséria inevitável na qual eles se debatiam, fragilizados, e mais das vezes passando grandes privações. Todos os pescadores da Colônia faziam parte da Cooperativa Frutos do Mar, cujo presidente, Joaquim Dantas Romão, pescador aposentado, lutava com poucas armas no afã de os desvencilharem desse abuso asfixiante. mas sem grande sucesso. Tentava os alforriar desta teia abjeta, mas os esforços eram infrutíferos, continuavam sem saída plausível, se submetendo cada vez mais, recebendo valores irrisórios enquanto os intermediários enchiam as burras. Jugulados por um processo malacafento sucumbiam, inexoravelmente.
Essa era a rotina da Colônia de pescadores São Pedro, formada por homens e mulheres dignas e que eram devotos fervorosos do santo que emprestava o nome à Colônia e que cada vez mais empobrecidos, enriqueciam os mediadores e os grandes donos de supermercados e magazines.