A Tequila Perdida

Uma semana antes de ter certeza que iria no show, já não conseguia dormir. Eu ficava horas imaginando como seria, repleta de expectativas. Era uma sensação incrível, a qual é difícil descrever. Só de pensar que o veria de perto...

Nunca antes os dias haviam demorado tanto para passar. Resultado: a semana foi uma merda. Meus pais enfrentavam crises no casamento, e sinceramente, eu não tinha paciência com aquelas briguinhas infantis. (Ps: em quem você acha que eles descontavam a raiva? Acertou.)

Pra deixar tudo mais divertido, uma amiga da minha mãe resolveu nos visitar. Ela sempre ia lá em casa, se sentia um membro do família. Pagava pal de headbanguer e se esquecia completamente que era uma vadia sentimental. Apesar de cachorrona, tentava ser simpática. Tentava.

- Lindinha, sua mãe me disse que você vai no show do Cazuza sábado néh...

- Sim, irei.

- Está afim de ganhar uma graninha extra pra gastar lá?

- É...

- É simples. Você só terá que olhar a Tequila enquanto eu saio, coisa rápida.

Tequila é o nome do poodle dela. Eu me senti num daqueles filmes baixa renda em que as pessoas ganham dinheiro pra tomar conta de cachorro. Patético, mas topei.

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- Aqui está a chave da casa, deixei anotado o que você tem que fazer. Boa sorte, volto daqui há algumas horas.

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Véspera do show e eu tomando conta de cachorro enquanto a dondoca bate perna. No começo senti desconforto, mas depois coloquei um dvd do Kiss e me perdi na voz sexy do Paul Stanley. A cadela era quieta, estava deitada desde a hora que cheguei, por que me preocupar?!

Abaixei o som quando começou a tocar Hard Luke Woman, e apaguei. Só fui acordar três horas depois, com a vizinha chamando.

- Olá jovem, você esqueceu o portão aberto e a Tequila fugiu. Se eu fosse você iria procurá-la, Dilminha já deve estar chegando...

Fiquei sem reação. Realmente, a vadia amava aquela merda de cachorro mais que a própria vida. Sempre entro em estado de pânico quando faço algo errado. Como pude ser tão imbecil ao ponto de me responsabilizar por um animal e deixá-lo fugir? Detalhe: sou uma babaca, coisas assim começaram a se tornar "normais" na minha vida.

Procurei por muito tempo e nada. Quanto mais andava, mais me desesperava pensar na reação da mulher quando souber que o cão estava perdido. Faltavam apenas quatro horas para show, e eu desisti de tentar encontrar. Esse era o show mais esperado, não trocaria nem por mil poodles. Depois pensaria numa desculpa incrível ou apenas colocaria em prática um pouco de drama que aprendi nos filmes.

Fui para casa correndo, tomei aquele banho e liguei pro Pedro, um amigo que me acompanharia. Minhas expectativas pareciam ter vida própria, cada vez que olhava os ingressos, eu começava a rir. Momento único.

Chegando na entrada do Clube (ainda não acreditando no que estava acontecendo), vi milhares de pessoas na fila, prontas para ouvirem segredos de liquidificador. Eu estava lá, cazuzamente feliz, quando de longe, avisto a... SIM! Ela mesmo. A DILMINHA CARA! O que essa mulher estava fazendo lá? Com certeza me procurando. Fiquei imaginando quão mico é morrer por causa de um vira-lata antes de presenciar um show histórico.

Antes de qualquer reação minha, ela chegou...

- LINDA, POR ACASO VOCÊ VIU A TEQUILA?

- É... Calma ta?! Bem, a Tequila... Hmm... E..eu estava ouvindo Kiss você gosta né? (Fiquei muito nervosa)

- Por favor amada, eu só quero saber onde está minha cadela.

- Me perdoa???

Neste momento, aconteceu o mais inesperado possível: Tequila passou correndo na segunda curva!!! Esse clube não era tão longe de casa, e como ela não estava acostumada a sair, devia ter dado umas voltas já que teve a oportunidade. Eu, de salto, saí correndo atrás dela! As pessoas ao redor deviam estar tão ansiosas pro show, que nem notaram. Quando o poodle me viu, saiu em disparada e entrou no beco próximo a padaria. Entrei no beco, subi o escadão, olhei entre as lacunas das casas, voltei pra avenida, e depois de muito tempo, achei o desgraçado. Estava fazendo xixi perto da árvore. Segurei-o no colo, mas pra onde eu levaria esse sarnento? Sem contar que meu salto havia quebrado quando corri.

Fui para casa, larguei o poodle com a minha mãe, troquei de sandália, pedi ao meu pai que me desse uma carona. TODAS aquelas milhares de pessoas já haviam entrado, e quando procurei meu ingresso... ESTAVA COM O PEDRO. Ele devia ter esquecido no bolso. Pedi dinheiro emprestado ao papi para comprar outro, mas estavam esgotados.

Entrei no carro quase chorando, tentando me consolar "calma, você ainda vai ver muito esse Exagerado..." como se fosse normal a ideia de Cazuza in Recife.

Nem precisa dizer que foi o último show da carreira dele, né?