Nossa dor.
Andando de um lado ao outro, com os pensamentos e a velocidade constante, tentando não cair em agonia. Ali, naquele corredor gélido, escutando choros baixinhos e o ranger das macas sendo levadas de uma sala à outra do hospital. À espera de um aviso, uma fala, um gemido, qualquer coisa a respeito dela, para saber se ainda respirava do outro lado da parede branca, qualquer coisa sobre ela, qualquer coisa à respeito do seu maldito câncer. Todos já estavam cansados de ouvir meus passos, de um lado para o outro, sem falar nada, apenas diluída em lágrimas e remorso. Todos já sabiam que o meu café deveria ser forte e sem açúcar e que eu reclamaria se demorassem para fazê-lo. Todos aceitavam o meu silêncio perturbador mas jamais o meu cigarro aceso. Eu queria saber que horas eram mas em meus olhos reinavam um medo misterioso que não me deixava tirar os olhos da porta de seu quarto e eu queria tanto vê-la, abraçá-la e sentir cada pedaço da sua dor. Envolvê-la em meus braços, tornando a sua dor minha, tirando-a todinha dela, deixando-a, pelo menos desta vez, em paz. Eu queria cada parte, cada fragmento, cada incerteza que havia nela, na minha frente, com ou sem o meu perdão em seus olhos e logo, me ver livre daquela angústia. Por um segundo que fosse.
Recostei minhas costas no encosto do banco bege, desistindo de ser a inquieta no meio de tantos desconhecidos, todos amigos e familiares dela. Fechei meus olhos trancando a passagem das lágrimas e neste pequeno momento, enquanto as pálpebras se encontravam, a porta se estalou. Abri rapidamente os meus olhos de quem não dormiu há noites e vi o médico com seu avental e o seu rosto de cansado, tirando seus óculos e levando-os na altura do peito. Pronto para falar lentamente o que havia feito, porque havia feito e o que deveríamos esperar. Eu já sabia de cor, todos sabíamos. Tomei fôlego e resolvi derrubar algumas regras. Sem escutar mais do que o inicio daquele discurso decorado, entrei no quarto, segurando as lágrimas e o sorriso e a levei aos meus braços. Finalmente.
Apertei firme a mão gelada dela e sequei as lágrimas que rolavam sem parar no seu rosto sem esperança. Deixei-a caída em meu colo, fiz carinho em sua cabeça, sem ligar para as mexas gordas de cabelo que caíam. Sorrindo com a certeza de quem um dia o fará, falei baixinho em seus ouvidos que estava disposta a mudar qualquer coisa em qualquer parte de qualquer eu. Sorri, ignorando as marcas de tristeza em nossos corpos solitários, ignorando os médicos que me mandavam sair imediatamente, ignorando o seu cheiro horrível de quem já apodrecia, mesmo viva. Mesmo amando.
Deixando-a alcançar os meus lábios, sem pressa, sem medo, deixei-a seguir o seu caminho e ela o encontrou. Segurou-me firme pelos braços e lábios, soluçando, entendeu que aquela dor não era apenas sua e sim, nossa dor.