SONS DO MAR

SONS DO MAR

José, João e Tiago, como sempre, às quintas-feiras, na boca da madrugada, iam para o mar pescar numa embarcação adquirida depois de muitos anos de labuta. Eram sócios e amigos. Largavam em busca do sustento da família e de lá só retornavam após uma semana, com a embarcação apinhada de peixes e outros petiscos do mar. E muitas histórias para contar.

As esposas, Maria, Anita e Joaquina, também eram unidas. E como de costume, às quintas-feiras debruçavam-se sobre o braço da praia e acenavam saudosas até que a embarcação sumia e só um ponto de luz fosse a referência do barco que se afastava balouçando ritmicamente, no seu interior, homens simplórios bebendo e cantando, em busca do mar aberto, onde havia mais abundância. Quando aquele ponto era tragado pela escuridão, elas retornavam imitando os maridos. Cantavam cantigas de amor - cantigas aprendidas na infância - e se dirigiam para seus lares, onde lá estavam dormindo os filhos amados de Maria e de Anita.

José e João, cada um tinha três filhos. Joaquina casara há um mês e, por certo, logo, logo também teria essa alegria, que seria repartida com Tiago, seu amado, e com toda a comunidade local. Os folguedos haveriam de correr soltos, como aconteciam nessas ocasiões, quando nascia alguma criança na comunidade. Os pais eram responsáveis pelas folganças, que recebiam a colaboração de todos. Comiam e bebiam felizes e dançavam moda de viola até altas horas, felicitando o recém nascido. João seria o padrinho. O rebento fora prometido muito antes de Tiago e Joaquina terem as primeiras intimidades. Ele ficava todo garboso, seria seu primeiro afilhado.

O vento assobiava, os coqueiros pendiam, envergavam, pareciam que iam se partir ao meio. As ondas sim quebravam, mansas, e beijavam a areia. Iam e viam, e tornavam a beijar. Havia uma lua lá em cima, redonda da cor do algodão. Parecia balançar entre as nuvens, que passeavam lenta sobre esse zimbório estrelado.
A noite ficou senil. Só se ouvia agora o farfalhar das ondas brincando com os rochedos. E em algumas embarcações ali atracadas, afundadas na areia, ouviam-se gemidos consentidos, revelando como é doce amar no mar.

Na colônia, as casas simples, como simples é a gente desse lugar. Muitas delas cobertas por palha de coqueiro. São privilegiadíssimas. Ouve-se de dentro os sons da natureza. E são iluminadas por esse satélite amigo.

Passara-se uma semana. Eles voltaram radiosos com a jangada arqueada de tanto peso. A pescaria foi boa e o sustento estava garantido por alguns dias, quando novamente retomariam a rotina. Era uma festa quando a embarcação apontava. Era euforia quando a embarcação atracava. Todos corriam para beira da praia para dar boas-vindas. Vários braços ajudavam a descarregar a carga. Há entre eles um código de ética. Se respeitam mutuamente e se ajudam com mesma magnitude.
Não se passou nem duas horas e todo produto trazido foi deitado sobre a rede estendida na areia. Peixes, moluscos diversos denunciavam que Iemanjá havia colaborado com todos eles.

Sorriam contentes e bebiam cachaça comprada no armazém de dona Esmeralda. As esposas se apresentaram pressurosas, cabelos enfeitados com conchas, colares coloridos enfeitando o colo, a coxa exposta por debaixo de minúsculas saias de chita, por certo revelando a intenção.

O Sol ardia e tostava a pele. Crianças indiferentes empinavam arraias coloridas. Mais adiante, uma romaria fazia com que homens corressem em baixo daquela canícula atrás de uma bola de couro. Maria, Anita e Joaquina receberam presentes de seus maridos, que lhes trouxeram conchas colossais - cada uma medindo mais de um palmo - para que elas pudessem ouvir o murmúrio do mar. Depois do almoço e depois de jogarem conversa fora, se deitaram com eles na rede para serem fêmeas.

O sol mornara; as palmeiras acenavam com mãos gigantes; os velhos recolhiam-se com as galinhas; os meninos ainda tinha energia para mais brincadeiras; as donas de casa faziam a janta; os homens, à beira da praia, bebiam caninha braba, tocavam moda de viola, sorriam, contavam histórias de pescador. O mar estava quieto e soprava uma brisa mansa, com gosto de fruto do mar.

Algumas jangadas atracadas na beira da praia pareciam bailar. Era lindo ver os seus gingados: subiam e desciam com movimentos organizados, sem querer parar.
Logo chegou a quinta-feira, dia de ir para o mar. E como faziam em todas essas ocasiões, partiram deixando saudades em Maria, Anita e Joaquina, que agora estava grávida. Voltavam a se debruçar sobre aquela imensidão de água e acenavam. Traziam à mão as conchas ganhas de presente na volta de uma dessas viagens. Quando não mais avistaram o barco, voltaram como de costume e cantavam para espantar a saudade.

Recolheram-se. A madrugada já ia alta, somente a luz da lua iluminava esses lares guerreiros dessa gente humilde, solidária até com as misérias alheias. Passou-se uma semana, como era previsto, e a embarcação não passou, não voltou ao porto querido, os braços de Maria, Anita e Joaquina, que agora estava grávida. Os dias iam céleres, sem dar nenhuma resposta nas asas da saudade.

O cajueiro em frente da casa de Tiago deu fruto. A barriga de Joaquina imitou o cajueiro. Passaram-se oito meses. Tiaguinho já ensaiava um engatinhado enquanto balbuciava. Joaquina levava o filho e ficava com os olhos compridos perdidos, olhando o mar, que parecia senhor absoluto, destemido. Olhava as embarcações que iam e viam com o coração oprimido. Por vezes, algumas lágrimas furtivas lhe molhavam o rosto jovem, belo. Suas amigas de infortúnio lhe imitavam os gestos, com os filhos agarrados na bainha da saia.

E todas as quintas-feiras, na boca da noite, elas colocam as conchas no ouvido e ficam absortas ouvindo as mensagens dos seus maridos.

Albérico Silva