Um dia de julho
Helena abriu a janela para a manhã de sábado. O sol projetou-se por sobre os móveis, dourando as paredes da sala de jantar. Belo dia para caminhar, passo não muito frouxo, ao longo das ruas retas, quadriculadas da cidade. Calçou os tênis, vestiu um abrigo e enfrentou com prazer o ar frio da manhazinha. Boa terapia aquela, varar o centro ainda um tanto deserto, sentindo um calor bom no corpo, o sangue circulando mais rápido, os moradores começando o dia, uns ainda tímidos, outros já francamente decididos rumo a seu objetivo. Portas e janelas eram abertas, pessoas punham o pé para fora de casa, ou simplesmente lançavam um olhar curioso para a rua, tentando averiguar o tempo. Aquele despertar coletivo lhe fazia bem, respirar os primeiros humores do dia, entregar a mente a um livre pensar, distante de tudo que pudesse representar preocupação ou sofrimento. Ficava às vezes triste ao deparar com calçadas quebradas, ou, o que lhe parecia pior, com marcas de relaxamento do povo, como lixo solto pelo chão. Mas, continuava, deixando de lado as más impressões. A brisa no rosto a estimulava, apressava o passo, tinha até vontade de soltar-se numa corrida. O ambiente já lhe era tão familiar que não se dava conta dos pormenores que continha, as casas não se distinguiam entre si, faziam apenas parte do contorno da rua, elementos pelos quais passava inconsciente, atenta somente à sensação que usufruía, aberta às idéias que relampeavam em seu espírito, iluminando-o e, em seguida, devolvendo-o a seu anterior repouso.
Era a sua terapia, e, assim pensando, respirou fundo, extraindo todo o prazer possível daquela simples caminhada. Momento de carregar, ou recarregar, as baterias. Daí a pouco, um olhar para o relógio, numa atitude de quem já sabe o que vai encontrar, confirmou-lhe que era hora de encarar a realidade. Cada um com seus compromissos, a regra era não abusar. A cidade já amanhecera, as pessoas cruzavam-se ao longo das ruas, como se tivesse soado o instante de cada um deixar a sua toca. Escolheu uma rua tranqüila para fazer o caminho de volta. E, enquanto se dirigia para casa, vinham-lhe à cabeça as tarefas do dia, tudo o que a esperava no decorrer daquele sábado, belo sábado de inverno. Chutou mentalmente, para bem longe, as tensões que a rondavam. Seu espaço de lazer precisava ser respeitado, sobretudo por ela própria. Concordava com a velha máxima de que tudo tinha o seu tempo.
Sentia-se revitalizada quando colocou a chave na fechadura. A enfermeira, já de casacão, havia escondido os cabelos claros por baixo de uma touca de lã.
- O Beto está pronto.
Seu olhar girou pela peça, numa espécie de reconhecimento. Tudo estava no seu devido lugar. Depois, deteve-se na mulher.
- Está um dia muito bonito, aproveite.
A outra surpreendeu-se, diante de tanta disposição. Perguntou, esfregando as mãos:
- Não está muito frio na rua?
- Bastante. Mas olhe o sol!
O rapaz, espichando-se na cadeira de rodas, começou a bater palmas. Então, contorcendo-se, repetiu: o sol! Helena correu para o filho, com um sorriso compreensivo. Um sorriso compreensivo e terno. Também ele queria participar, estava no seu direito. Sem pronunciar qualquer palavra, empurrou-o para fora, para que ambos pudessem vivenciar juntos aquele dia.