13 de julho
13 DE JULHO
Senhor Agenor Trindade, saiu todo aparamentado, do sombrio sobrado onde morava na Rua Guedes de Brito, local habitado por travestis, prostitutas e há quem diga por traficantes, que fazem de alguns apartamentos no local de seus quartéis generais.
Contudo, Agenor não estava nem ai, como ele dizia: não se metia com a vida de ninguém, cada um que viva a sua da maneira e como puder. Durante o dia, ganhava o seu sustento, numa barraca de camelô, perto dali onde morava, vendia de tudo, porém à noite se transformava em Cover de Elvis Presley.Essa paixão o fizera perder a família, a esposa D. Augusta Trindade, o abandonara a seis anos atrás, sem antes exaustivamente tentar demovê-lo de tal intento.
Ele dizia estar no sangue, e sai todas as noites para dar o seu show particular, nas praças, nos bares infestados de gente de todo tipo, e quando regressava por volta das 5h30mim, com poucos trocados nos bolsos, mal tinha tempo para um descanso da intensa noite artística, e lá se ia ele para o batente, e não aguentando mais aquela situação, ela voltara para o interior com seus três filhos,na manhã chuvosa de cinco de março.
Tal decisão, o chocara profundamente, ele a amava e aos seus filhos, porém também amava o Rock, estava no sangue, dizia ele, e nada poderia afastá-lo desse sonho.
Após essa data, parece que envelhecera dez anos em poucos dias, habituado com a família ali por perto, de tudo fazia para que nada lhes faltasse, e agora se via sozinho, abandonado, por aquela que jurara no altar diante de Deus, que estaria com ele para o que desse e viesse. Foi nessa ocasião, que ele não suportando as saudades, e as lembranças que as paredes daquela casa guardava, e que aviva-lhe, a sua memória a todos instantes, não suportando mais, mudou-se para o sobrado da Rua Guedes de Brito, como se pudesse fugir de se mesmo.
E data dessa ocasião também, o começo da incursão pelo mundo do álcool, até então se vangloriava e se gabava, de nunca ter bebido, porém ao ver-se desamparado, assim creditava, pelos, entes que mais amava , enveredou-se por esse triste caminho.
Vestia-se singularmente, a guitarra comprada de segunda mão, o acompanhava nas madrugadas adentro. Todos os conheciam e saudavam, e quando diziam: - diga ai Elvis, ele não cabia em se de contente, todo garboso.
Permita-me vos dizer, que Agenor, era um homem de mais ou menos um metro e sessenta, atarracado, de cor branca, e que já estava ficando encardidos, olhos pretos graúdos, sobrancelhas grossa, nariz super, super afilado. Todo esse visual emprestava ao mesmo uma imagem excêntrica. E não raras vezes, fora alvo de mofa.
Mas, ele não estava nem ai, sua paixão e seu amor pelo Rock, a tudo superava, e em que pese o visível cansaço que já demonstrava com as sucessivas noites perdidas em nome da sua arte, ele continuava firme, em nome do amor e da paixão que nutria.
E continuou apesar da saúde estar pedindo socorro. Chegava ao mesmo horário, nos mesmos lugares, e aquele dia era dia de festa, era o dia mundial do Rock, e por nada ele por dia perder, aquela grande confraternização, apesar do estado febril, ao qual estava acometido. Porém lá chegando, a febre desapareceu como por encanto, e ele se empenhou junto com os outros artistas iguais a ele, e fez a sua homenagem a seu modo, dentro das suas possibilidades artísticas.
É bom que se diga, que após enveredar pelas bebidas alcoólicas, ele passou a experimentar outros expedientes, hábitos estes que estavam minando a sua saúde, e amofinando as suas economias, tanto é que, após vários anos ele se via em apuros com os fornecedores por falta de pagamento. E em contrapartida já não tinha a sua barraca sortida como de costume.
Alguns fregueses foram se distanciando, pois para fazer frente aos prejuízos que se avolumavam ele encareceu sua mercadoria, o pouco da mercadoria que lhe restava. O aluguel do apartamento, no sobrado na Rua Guedes de Brito, estavam atrasados, a vida dele se abeirava do caos, o grande abismo que se abria parecia eminente.
A solução depois de devidas cobranças e ameaças sofridas, foi deixar o apartamento do sobrado onde morava, e passou a viver na rua. Aquele homem, até certo ponto pacato, via-se nua situação difícil, saúde abalada, sem os recursos financeiros de outrora e sendo consumido pelo vício.
Passou a viver junto da sua falida barraca, e quando Tonhão, o procurou oferecendo-lhe trabalho e lhe assinalou as vantagens rápidas que ele teria, com lucros imediatos, ele não pensou duas vezes, e passou a comercializar produtos proibidos. Sua clientela agora era outra, formada por jovens, e por aqueles homens que chegavam naqueles carrões, e entre o vidro entre aberto das janelas de suas redomas, trocavam o produto cobiçado por certa quantia em dinheiro.
À noite, lá estava ele, caracterizado a rigor, a guitarra já quase não o obedecia, mais ele imaginava-se tocando para o seu público, nessas horas a, saudade que sentia da sua família se intensificava, principalmente da sua caçula, seu xodó, a Ana Júlia Trindade.
Pesadas e grossas lágrimas começaram a escorrer pela sua face, quem o observava não entendia o drama íntimo pelo qual passava aquele senhor, o Elvis Presley, que todas as noites ali se apresentava dando o seu show particular, sem se importar com plateias, o que ele queria era imitar o seu ídolo, cantar as suas canções. Fazer uma bela homenagem.
Parecia estar em estado de frenesi, gingava de forma incoerente, a guitarra, as cordas quebradas, mas mesmo assim ele as dedilhava. Por certo dedilhava suas ilusões, suas fantasias, seus temores, um grupo nunca visto se acercou dele, e o incentivava, somos assim, tripudiamos sobre a miséria alheia. E ele em delírio, saltava, parecia bailar, a voz rouca, quase não saia, os apupos que ele ouvia soavam como aplausos, e ele curvava-se em reverência ao seu público, até que em fim era reconhecido, estava fora de se, os pulos pareciam querer agarrar o céu da sua imaginação, talhado pelas estrelas errantes que o abandonara.
A plateia sinistra o incentivava, e ele, parecia ter perdido o juízo, agora corria pelo seu palco, pelo seu mundo, e rodopiava, gingava ao som de todos os ritmos, totalmente irreflexivo, sem nenhuma censura. Rebolava inadvertidamente, para delírio daquela massa.
Vez por outra, parava alguns segundos para tomar fôlego, mas logo era incentivado, por aquela massa desumana, o seu público.
Finalmente eles vieram, e ele se sentia prestigiado, gostaria que D. Augusta, sua ex - esposa, estivesse ali, a testemunhar o seu sucesso, por certo dividiria com ela e com seus filhos aquela honraria. Ele não cabia em se de contente, agradecia exaustivamente, e os apupos impiedosos se intensificaram.
O Sol, já esboçava um sorriso, Agenor, totalmente extenuado, pulava de um pé só, rebolava, corria transloucado a roupa abarrotada, cabelos revoltos, a voz presa na garganta, os olhos sumidos. A guitarra, há a guitarra, a velha companheira, agora semi-destruída, revelava como intensa fora o sua apresentação, fora o seu show.
Procurou por seu público, e tristemente notara que eles se foram, um a um, e ele estava ali sozinho no seu palco. Ou sempre, estivera ali sozinho? Obtemperou!
Viu-se diante daquela triste realidade, e aquele pano de fundo que era o céu cenário, revelava-lhe, as dores cruciantes na alma, as saudades tangidas no peito. A sua real situação de vida, o rumo o qual estava dando à mesma. Lembrou-se novamente, dos seus três filhos. Lembrou-se de Ana, a sua caçula, e sentiu o peito oprimido. Desejou fervorosamente, que o relógio do tempo voltasse atrás! Olhou o relógio que trazia no pulso, a mica que protegia aquela engrenagem estava quebrada, os ponteiros perfilados estavam parados, seria um prenúncio? Ele sorriu timidamente, que ele não se iluda novamente, segundo Einstein: o tempo não se apieda. “A vida não da e não empresta não se comove não se comisera. Tudo o quanto ela faz é retribuir e transferir aquilo que nós lhe oferecemos.”
Ele meneou a cabeça em direção ao céu, o Sol parecia observar-lhe!
Albérico Silva