Quando matei a poesia em mim.

Sou um assassino em série, multifacetado, desentendido, perdido na experiência constante que é (sobre)viver. Hoje quando fui procurar um par de meias sujas debaixo da minha cama, achei minha poesia morta. Me perdi nas lembranças do assassinato.

Eu sentado numa cama de colcha azul cor de céu, quando não chove, com o amor-de-toda-vida. Falávamos sobre desistir e reconstruir, tentar, renovar, acreditar, sonhar. E sobre amor. Eu me tocava inteiro pelas declarações e por cada segundo quando percebia que eu tinha tudo no meio da mão, no todo da vida. Até ele me perguntar três vezes, número ímpar que deveria ser considerado maldito e ser lançada uma lei de desuso sobre ele, algo sobre alguma coisa, um erro, um buraco no meio daquele melhor sentimento que eu havia sentido até então. Eu confessei. E confissão, algumas vezes, é uma rendição ao abismo, é você se jogar do décimo sétimo andar de um prédio qualquer. Confessei que faltava uma peça no quebra-cabeça que era amar alguém. O amor-de-toda-vida não ficou. Sorriu por fora, morreu por dentro e foi embora. Eu no meio de quatro paredes não tinha a quem culpar, tive que culpar a mim. E escolhi meu destinatário de culpa quando o amor me disse, alisando meu rosto com a mão terna, transmitindo pelo toque o resto do que sentia, que eu cuidasse do meu miolo, do meu interno, de quem eu era, pois eu era lindo por fora, e doente por dentro. Eu senti a doença coçando no corpo inteiro, meu jeito de passar por cima das pessoas como um trator violento e sem visão. E, por inocência ou refúgio, agora não sei dizer, culpei minha poesia. Era ela que elevava minha hipersensibilidade sobre todas as coisas, que me permitia possuir encanto por cada ser humano que adentrasse um pouco demais nos meus muros de ser normal e então eu jamais teria raízes antes de folhas. Plantando raízes em todos os terrenos do mundo, umas por cima de outras, elas jamais crescerão, jamais haverão folhas, frutos, flores. Se não souber regar direito a vida, nunca haverão flores nela. E se a raiz não fixar, não for cuidada, a vida flutua e acaba indo embora. Mas a culpa das raízes daninhas, da vida indo embora, dos muros serem fracos, é da poesia. Me diziam que nasci com dom, mas poesia é doença. Ainda agachado ao lado da cama, contemplando uma parte de mim que eu achei que não viveria sem, me senti indigno de definir a poesia. Mas ela vivia em mim e eu sabia sobre ela mais do que meu vizinho, meus parentes, meu psicólogo. Poesia é como um ralado no joelho, só sabe que dói quem já caiu e sangrou. Eu me esfolei inteiro e cansei. Enquanto dormia, extraí de quem eu era ou queria ser ou tentava fugir de ser, uma alma poética. E ela morreu silenciosa debaixo da minha cama. Eu a tirei dali, embrulhei numas palavras e prometi esquecê-la. Tomei um banho gelado para tirar de mim qualquer resto dela, e estufei o peito com coragem para ser alguém melhor. Pude até me ver um tempo à frente, feliz, cheio de luz, como se tivesse engolido uma estrela. Eu andei querendo ser melhor, por mim, pelo amor-de-toda-vida. Não sei se ele sabe sobre o enterro da minha poesia, mas é fato que o amor nunca há de ser enterrado. Porque eu senti, eu vivi, eu experimentei o sabor, e vou viver para recuperá-lo, agora despido de poesia, com um assassinato poético nas costas e com um sonho de (re)amar (re)construído.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 15/07/2012
Reeditado em 16/07/2012
Código do texto: T3778447
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