Uma noite de cão
Pairava no ar, um misto de indignação e ódio, naquela quinta-feira, dentro do salão do tribunal do júri, no dia 18/novembro/2010. O relógio sobre a parede, assinalava 18,45 horas. Fazia intenso calor e era aguardada com ansiedade a sentença que seria proferida pelo magistrado Vasconcelos, fazendo justiça e acalmando os ânimos da grande massa de espectadores, ali presentes. O magistrado com o semblante austero, -idêntico ao de quem finge não entender uma piada somente para não sorrir- indaga aos jurados:
--- Vocês chegaram a um veredicto?
--- Sim meritíssimo, chegamos.
Dirigindo-se ao oficial-auxiliar, o juiz solicita-lhe:
--- Queira, por favor, trazer-me o documento contendo o veredicto.
De posse do documento, o oficial entregou-o ao juiz, que ao lê-lo, disse:
--- O réu queira levantar-se, por favor, para ouvir a sentença. O senhor foi julgado culpado e eu o condeno a cumprir uma pena de vinte anos de prisão. O julgamento está encerrado -assim dizendo, foi logo batendo o martelo sobre a mesa.
Ainda de pé, já esgotado e impaciente, dei-me por feliz, apesar de condenado, por ver terminado todo aquele suplício de longos pronunciamentos e interrogatórios que antecedem ao veredicto.
Aquele salão, parecia-me uma enorme câmara de torturas. Sentia-me menos infeliz, mais aliviado. Ao ser retirado algemado pelos policiais, senti os olhares de desprezo e raiva dos familiares da vítima, minha ex-namorada, que convergiam sobre mim. Covarde e desprezivelmente, eu havia dado cabo de sua vida por uma injustificada crise de ciúmes. Eu não possuía antecedentes criminais, mas agora, era tarde para lamentar-me. Conduzido pelos policiais, preparava-me para descer a grande escadaria que dava acesso à sala de julgamentos do fórum, quando acidentalmente escorreguei no primeiro degrau de cima e rolei feito um porco gordo desajeitado, escada abaixo. Aquele tombo cheio de solavancos e pancadas, trouxeram-me tantas dores, que acabaram por acordar-me. Sentindo-me o ser mais feliz do mundo, levantei-me da cama o mais rápido possível. Troquei-me de roupas e dei uma olhada no relógio: 07,00 horas. Ainda dava tempo, pensei. Dirigi-me apressado, à casa de Aline -minha namorada- que residia próxima, na mesma rua que eu. Meio desajeitado e ainda sob os efeitos daquele terrível pesadelo, toquei insistentemente a campanhia da residência de Aline. Ela abriu a porta, meio que surpresa e curiosa, ao ver-me ali, cedo e impaciente à sua porta e indagou-me:
--- O que houve meu amor? Por que tanta pressa e qual a razão de sua presença inesperada, a essa hora da manhã, sabendo que estou de saída para o trabalho?
--- Por favor, fique quieta, não diga nem pergunte mais nada, minha querida! - Abracei-a e beijei-a como se quizesse pedir perdão por algo que não havia cometido-.
Tomamos juntos o café da manhã e acompanhei-a até ao seu trabalho. Disse-lhe que, mais tarde, quando ela retornasse do serviço, eu lhe contaria todo o ocorrido. Despedimo-nos carinhosamente e, antes de entrar no carro, olhei para o céu e murmurei:
--- Obrigado Senhor, por esse pesadelo! Por essa oportunidade de transformar-me num outro ser. Farei tudo que puder para ser digno de merecê-la. Obrigado, Senhor!