O GRITO EM CHORO
Ela sempre gostou de arte. Desde muito cedo. Aos poucos foi se profissionalizando, inclusive mais tarde, pertencendo a uma grande companhia da capital. Queria ir mais longe, e como meta, era um dia estar entre os melhores. Quanto ao reconhecimento, não tinha pressa, sabia que um dia iria vir acontecer. É mais um dia de espetáculo, estamos falando mais precisamente de teatro, a sua grande paixão. Disciplinada, sempre antes do horário previsto das apresentações, estava ela, entre corredores, coxias,gambiarras,iluminação (ainda pelo chão) concentrada na sua fala do texto, que logo mais apresentara. Chega mais um colega. Minutos depois, mais outros e completa o elenco e já tudo pronto, mais tarde, é aberto o portão ao público. Muita gente chegando: intelectuais, escritores, jornalistas, poetas de rua, amigos... A galera alternativa é figurinha carimbada! Sempre aparece. E lá atrás do palco, muito corre-corre e preocupação com os: adereços,figurinos, marcações, os tempos de cada um...
Improvisos eram possíveis, mas primar pelo perfeccionismo era o lema dela e do também diretor da Cia de teatro na qual participava. Nada deveria sair do protocolo. E no horário exato para a apresentação, estava ela, simplesmente linda.Com muita facilidade emocionava-se quando o seu texto pedia, era PHD nisso, vamos dizer assim. Era muito real. E justo naquela apresentação ela havia chorado muito, algo além do normal. Os amigos de elenco já sabiam dessa sua perfeição, mas o engraçado foi que exatamente naquele dia eles não perceberam o exagero que foi tomado pela garota, pois tal emoção apoderou teu corpo fechando com chave de ouro a apresentação. No seu humilde camarim, exausta do desgaste emocional que tivera horas antes, retirava levemente cada pedaço para fora da sua carne, o figurino. Num silêncio profundo dentro daquele pequeno quadrado enfeitado de coisinhas pessoais, ouve alguém bater a porta e sem muita pressa, a atriz, resolve abrir. Com o rosto ainda bastante inchado por conta do choro, depara-se com um jovem rapaz que do lado de fora, desejando entrar, diz a este:
- Olá, tudo bem, no que posso te ajudar?
-Tudo bem, permita apresentar-me?
-Responde ele.
- Sou neto do saudoso dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, onde atualmente sou diretor de cinema.
Ela, surpreendida pela ilustre visita, pede que este entre e te oferece uma xícara de café preto. Sentados, começam a conversar assuntos afins. Depois de muito conversarem, questionado pela bela moça do porque está ali, resolve o rapaz falar o real motivo:
-Na verdade, estou à procura de uma atriz para participar do meu mais novo filme e este será rodado fora do Brasil. Entrei em contato com o seu diretor e colhi algumas histórias de vida de cada um do elenco, e de todas adorei a sua. Soube como foi árdua a sua chegada até aqui. Ter que largar a sua cidade, família, pais e desses principalmente sua mãe, onde sempre foi muito apegada. E o que mais me tocou foi quando soube que todo esse sacrifício era e é para dar uma melhor condição de vida a eles. Muito bacana. Então, fazendo de tudo para que não soubesse, resolvi provocadamente criar este espetáculo falando de você e que o representasse, ou seja, a sua história, onde hoje foi muito bem mostrada. Vi o quanto se emocionou, ao ponto de fazer com que seus colegas de elenco, acharem fazer parte do espetáculo o teu choro descontrolado, logo enganando a todos.
Ela, muito feliz, convencida do presente que recebeu sem mesmo saber que tratava de si, o agradeceu profundamente. E já sabido que aquela era a atriz que tanto procurava, restou ao famoso diretor fazer-lhe formalmente o convite: Você quer ser a atriz protagonista do meu mais novo filme? Com o choro engasgado, contido antes em seu diafragma, soltou-o como resposta do grande encanto que acabara de acontecer, recompondo-se em seguida, direcionou ao nobre, quase sem voz, um monossilábico e roco,sim! Abraçados, selaram ali a união de uma carreira de grandes sucessos no cinema nacional/internacional e na teledramaturgia brasileira. Depois de grande temporada fora do país, 10 anos depois retorna para algumas apresentações. Como antes fizera enorme sucesso o espetáculo que falava da sua vida e história, resolve encená-lo novamente agora motivado em reunir os antigos amigos de elenco celebrando o reencontro. No dia de estreia, na capital, e como sempre casa cheia, uni o trabalho e anos de saudades dos amigos que a ajudaram, festejando também, o reconhecimento.
E como já se esperar, lá nos fundos do palco antes mesmo da Rotunda se abrir, está ela, concentrada na sua fala. Restando pouco tempo, elas se abrem e...merda! Começa o espetáculo. Ela encenando sua própria vida, própria história, mas com outro nome. E em uma de suas falas,ela tem que ir ao centro do palco olhar para a plateia sem muita demora e falar algumas palavras, interagindo com o público. Passados somente, 12 minutos do início da peça, antes mesmo que dissesse alguma coisa, no centro do palco em frente ao público, seus olhos começam a marejar, a pernas tremerem, seus braços desmancharem sem força despencando à altura do quadril, os lábios torcerem sem direção na tentativa de travar um choro e no canto dos olhos ei que surge uma leve e singela gota de lágrima em sentido gravitacional, anunciando um longo e demorado pranto corrente. Tudo isso, porque ao olhar para cada canto do teatro (surpresa armada pelos amigos, diretor, empresário e o pessoal da Cia de teatro) percebeu algo estranho na plateia e mesmo quando olhava para outro canto a estranheza aumentava ainda mais. Na verdade, estava ela reconhecendo cada pessoa da sua então cidade natal, eram: amigos de infância, do colégio, era o dono da quitanda onde sempre ia comprar doces, a costureira que com os retalhos fazia as roupinhas da sua boneca de pano...
Na parte de cima,no 2º andar do teatro, viu as amigas dos tempos criança, quando ainda brincava no passeio de casa, viu os antigos paqueras dos tempos de colégio e até o primeiro namoradinho de adolescência estava lá. Olhando para baixo pertinho, na primeira fileira do palco viu suas pérolas, como bem chamava os seus pais e irmãos. Passados algum tempo revendo aquelas importantes pessoas, surpreende-se quando absolutamente todos da plateia levantam para aplaudi-la (Isso por aproximadamente 4 minutos ininterruptos). Ao final, os pais, debruçados à superfície do palco, admirados,percebem o quanto valeu à pena apoiar a filha, onde antes vinda daquela cidadezinha bem pacata, sabia desde sempre que ali nascia um talento e deste conquistou o país e o mundo através da arte.
(Numa breve conversa [real], disse a dona deste personagem [irreal] uma frase ao autor deste).
“EU AMO O TEATRO."
Juliete Nascimento.
Homenageio esta que é minha mais recente amiga, a grande brother Juli (Assim, carinhosamente a chamamos lá no Instituto Cultural Steve Biko).