A CERIMÔNIA DO CHÁ-CONTO ZEN
 
Um jovem discípulo, com o desejo de homenagear seu mestre, a quem muito respeitava, foi ao belo jardim do mosteiro e colheu as mais belas flores que encontrou. Fez com elas um lindo buquê e entrou, muito alegre, na sala de chá, onde o mestre o aguardava. Ele sabia que o mestre adorava flores. Todos os dias ele trocava as tsuba kides do belo vaso ikebana que ele mantinha diante do seu tokonoma (altar).
Tão alegre e afoito estava o jovem discípulo para entregar as flores ao mestre que não percebeu a borda do tatame. Tropeçou, caiu e elas caíram de sua mão. Eram flores muito lindas, mas extremamente frágeis, as tsuba kides, de delicadas pétalas brancas. As pétalas se despregaram dos caules e se esparramaram pelo tatame que cobria todo o espaço da sala de chá.
O jovem discípulo começou a chorar.
“Porque choras?”, perguntou o mestre.
“Eu vos trouxe essas flores. Eram tão belas no jardim, e ficaram ainda mais belas quando eu as dispus num buquê. Agora estão mortas”, choramingou o discípulo.
O mestre não disse nada. Apenas tocou de leve no ombro dele e pediu que se sentasse. Em seguida pegou o belo vaso ibekana  e o colocou no centro do tatame. Em seguida pegou os caules nus e os colocou dentro dele, com esmerada delicadeza, num artístico arranjo. Depois juntou as pétalas espalhadas pelo chão e as dispôs em um arranjo harmonioso, em volta do vaso.
“ Quando tirastes esses flores do seu tronco”, disse o mestre, “ prejudicastes a harmonia do universo porque provocastes uma mudança na sua estrutura. Mas logo tudo se recompôs porque elas deixaram de ser flores e passaram a ser um belo presente que tu estavas trazendo para mim”. “ Elas não faziam mais parte da terra, que as gerou e alimentou até aquele momento, mas  passaram a fazer parte de ti, do teu desejo, da tua alegria em contentar-me. O universo se recompôs com esse ato, pois todo sonho realizado faz o universo funcionar”, continuou o mestre. “Quando elas caíram e se despetalaram, e se esparramaram pelo tatame, o universo se desequilibrou novamente, pois o teu desejo não se realizou e tu te magoaste. Todo coração que se magoa é causa de desequilíbrio no universo”, disse o mestre. “ Mas agora  elas passaram a fazer parte desta sala . Continuam belas e úteis, ao compor com ela um belo arranjo.E tudo está em harmonia novamente”, concluiu.  
Então o jovem discípulo uniu as mãos e com um inclinação saudou o mestre. Tinha compreendido. Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Todo sofrimento é causado pelo apego ao que já fomos, ao que já tivemos, ao que já vivemos. Isso , muitas vezes, nos impede de viver a forma presente e sermos úteis nas nossas formas futuras.
Assim, com equilíbrio do universo recomposto, mestre e discípulo, silenciosamente tomaram o seu chá.  
 
 
 
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 10/07/2012
Reeditado em 10/07/2012
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