Abismo.

O mundo virou de cabeça pra baixo e eu to pingando suor ao contrário depois de correr trinta e duas quadras do avesso e gritar pra dentro de mim que você perdeu nesse jogo de nós dois. E eu paro pra me analisar, bufando de raiva, de ódio, te xingando de nomes sujos porque não, eu não me apaixonei, mas você não precisava também tentar fazer eu me apaixonar por você. E você parece que tentou, com todo seu encanto e seu jeito e a atenção que eu tô acostumado a receber de todo mundo mas eu nunca me importo, porque só a sua faz diferença pra mim.

Começou a chover, e eu já me acho chafurdado em tanta lama e merda que nem me importo se vier água de cima. Meu jeito derradeiro e nocivo de gostar e proteger mata todo mundo que chega perto e odeio assumir, embora nunca assuma, que eu sou sozinho por minha própria causa.

Fico decepcionado com meu jeito de não saber regar a planta. Eu afogo a coitada. E eu não vou pedir pra você ficar se você não quiser. E se você disser que quer, vou pedir pra você ir embora rezando por dentro pra você bater o pé, me mandar calar a boca e dizer que vai ficar. Você disse uma vez, eu lembro porque eu lembro de tudo entre a gente. ”Eu nunca vou te deixar”. Aí você foi embora. E eu fico aqui nessa chuva socando o chão de terra achando que vai pular dali uma resposta para as minhas infinitas raivas questionáveis. Mas não sai nada além de barro e dor e nojo de vasculhar minha memória.

Porque você me amava, e eu gostava muito de você até naquela manhã. Eu acordei e vi você no meu chuveiro, suas roupas no meu carpete, sua vida entrelaçada com a minha. Perfeitamente ajustadas para serem vividas na mesma estrada e eu não quis, eu gritei, eu teimei, eu virei o demônio pra te afastar de mim, porque ia doer mais, porque enfim, contudo, entretanto e todos os poréns do quase amar e desse medo inútil e ridículo que eu carrego como uma mochila de acampamento nas costas. Você se assustou, quis se jogar da janela porque era tudo lindo entre a gente e qual a razão de ficarmos um sem o outro? Você moldou a boca pra dizer que eu tinha medo de te amar e eu te pus pra fora da minha vida antes que pudesse mencionar a palavra. Insulto! Eu não tinha medo de amar. Eu tinha doença. Contagiosa, lambuzada de idiotices sem tamanho nem documento. Eu era um idiota de cima à baixo e você fazia muito bem em me obedecer e sair de perto.

Eu fiquei acabado, obcecado com a superação daquele caso mal sucedido por decisão própria, de novo, outra vez, até não sei, talvez pra sempre. Fiquei jogando noventa mil palavras no teu lado do colchão que ainda tava quentinho porque você mal tinha levantado. E meu coração em pedacinhos ordinários porque você mal tinha saído pela porta e eu já morria. Me enchia de cortes internos e dez minutos depois já ria porque sabia o quão fácil era ter você de volta.

Mas um dia, nem lembro quando, você decidiu que não voltava. Meu sorriso amarelou, vacilou, o peito inchou e eu me fechei dentro do armário da culpa, com cadeado e senha e tudo. Porque a culpa era minha, de não ter mais os cachos, o sexo fora de hora, o riso bobo porque você achava meu jeito de cantar engraçado. Não teria mais você esquentando o lado da cama e esquentando minha alma judiada nas noites frias. Em suma, pra cortar de vez todo o drama, não haveria mais você. E esse não-haver, essa ausência, mais da sua alma do que do seu corpo, me deixava sem saber se seria possível superar outra vez.

Me apoiei num pilar fingido de alegria e conformismo e segui em frente, sem saber como me sinto agora e daqui a pouco. Eu existo, parece que te espero. Mas por dentro, me odeio por admitir que foi melhor assim.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 10/07/2012
Código do texto: T3769697
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