Um alemão espetacular!
Afonso era um velho amigo meu. Trabalhamos juntos durante alguns anos, mas fui transferida para uma unidade de ensino em outro município e passamos muito tempo sem contato.
Dois anos depois que eu havia mudado de cidade, vim passar uns dias de férias em minha terrinha e tive a alegria de me encontrar com o Afonso em uma praça. Foi um barato quando nos vimos! Meu amigo era gay assumido, embora muitas pessoas não percebessem por ele ser muito discreto, e só mesmo quem o conhecia intimamente sabia de sua orientação sexual. Quando me viu, fez aquela cara de felicidade, me abraçou com euforia e disse:
- Nossa, amiga, você está muito bem! Está mais bonita, está com cara de bem-amada! Sua pele está maravilhosa!
- Ah, obrigada! E você tem toda razão: estou me sentindo muito bem-amada! Estou de amor novo, sabia? – respondi.
Durante alguns minutos ficamos assim, trocando elogios, falando sobre as novidades dos lugares onde trabalhávamos. Mas seu interesse era mesmo saber quem era o bofe que estava me fazendo tão bem. Então contei, resumidamente, sobre meu novo relacionamento (hoje já está “velho”, afinal, essa história já dura 15 anos). Eu também estava curiosa para saber de sua vida amorosa. Quando fui embora, há dois anos, ele estava meio chateado, pois havia terminado uma relação não fazia muito tempo. Afonso me contou que estava sozinho, mas que, em sua última viagem, conheceu uma pessoa que havia mexido muito com ele.
- Amiga, fui à Bahia nessas férias e adorei. Conheci Salvador, Caravelas e Porto Seguro. São cidades muito bonitas, com praias lindíssimas, o povo é bonito e alegre, as comidas são deliciosas, a cultura é viva! Você sabe, nunca gostei de museus. Gosto mesmo é de movimento, de gente dançando, cantando, fazendo artesanato nas calçadas, pintando telas nas ruas. - me disse Afonso.
- É, eu sei. Você sempre apreciou a cultura popular. Lembro-me que uma vez você contou que todas as vezes que ia ao Rio de Janeiro, não deixava de ir ao Pavilhão de São Cristóvão comer um baião de dois, que gostava de assistir aos shows da tradição nordestina e que adorava dançar forró.
- Ah, você se lembra? Ainda faço isso sempre que vou ao Rio. Também vou aos desfiles das Escolas de Samba todos os anos. Ah, não deixo de assistir minha Portela, minha filha! E o Carnaval é uma das maiores manifestações da cultura popular, não é?
- Claro! Lembro-me também de sua viagem ao Norte para participar do Festival de Parintins. Você até andava vestido com uma camisa do Boi Garantido. (risos)
- É verdade! Mas a Bahia é diferente de tudo que já vi. Lá existe uma energia que não sei explicar. Em Salvador, o Pelourinho me encantou! Que lindas aquelas baianas com seus tabuleiros vendendo aquelas tentações! Comi tanto acarajé que pensei que passaria mal. E as rodas de capoeira, os grupos de Axé, as benzedeiras, os vendedores do Mercado! Tudo bom demais! Mas, amiga, em Porto Seguro foi que tive a maior alegria dessa viagem.
- O que aconteceu?
- Conheci um alemão espetacular!
- É mesmo?! E então, vocês ficaram juntos?
- Sim. Saímos durante as três noites que passei na cidade. Ele é lindo! E é um homem inteligente, antenado, de papo agradável. Foi maravilhoso!
- Nossa, que legal!
Quando pensei que saberia mais detalhes dessa aventura, Afonso disse que em outro dia me contaria, pois precisava ir embora. Fui para casa curiosa, imaginando como seria o tal alemão: seria louro, de olhos azuis, alto, forte, enfim, um homem com traços europeus? Eu teria mesmo que esperar “os próximos capítulos” para saber.
Faltavam alguns dias para que as férias terminassem, então resolvi visitar uma querida amiga que também não encontrava desde minha ida para outra localidade. Quando cheguei à sua casa, Martinha ficou muito contente, convidou-me para entrar, ofereceu um café e começamos a conversar. Havia muitas novidades a serem contadas, muitas perguntas a serem feitas, queríamos saber de tudo o que nos aconteceu durante esses dois anos. Ao comentarmos sobre nossos outros amigos, os que não vi e os que vi, surgiu o nome de Afonso. E aí, a surpresa: Martinha me contou que viajou em excursão para a Bahia e que Afonso era um dos integrantes do grupo. Ao comentar que ele havia me dito que conheceu um alemão espetacular na viagem, Martinha deu uma imensa gargalhada. Eu, sem entender o porquê de tanta risada, perguntei o motivo da graça. Ela, quase não conseguindo falar de tanto que ria, me disse:
- Ele te contou que conheceu um alemão?!
- Foi.
- Não era um alemão, mas o Alemão!
- Como assim?!
- Menina, o cara era um baita de um negão, se chamava Genivaldo e tinha o apelido de Alemão. O homem era um baiano legítimo!
- Ah, mentira! E eu pensando que era um cara lindo, forte, de olhos azuis. (risos)
- Sim, ele era um negro lindo! Tinha um sorriso maravilhoso, uns dentes branquinhos, perfeitos. Afonso ficou apaixonado, porque, além de tudo, era simpático, inteligente e divertido. Ele trabalhava na praia durante o dia e, à noite, juntava-se ao nosso grupo. A gente ficava num quiosque no calçadão em frente ao hotel, e o Alemão ficava lá também conversando. Eu tenho uma foto, quer ver?
- Claro!
Enquanto Martinha foi lá dentro buscar a foto, fiquei sentada em sua varanda rindo sozinha e pensando: “Que danado, me enganou direitinho! Foi por isso que, quando eu quis saber mais detalhes, ele disse que estava com pressa e foi embora.”
Quando vi a foto tive que reconhecer que o cara era mesmo muito bonito. Só não entendi por que Afonso não me disse a verdade. Será que ele pensou que eu iria criticá-lo por ter se apaixonado por um negro? Eu nunca o critiquei por ser gay, sempre o aceitei como era, como queria ser. O importante para mim era ele ser uma boa pessoa, um cara competente, um cara honesto. Quanto às pessoas com quem se relacionava não me dizia respeito. Nem a mim, nem a ninguém. Branco ou negro, brasileiro ou estrangeiro, rico ou pobre, o importante é que Afonso fosse feliz.
Martinha ainda me contou que, todas as noites, quando o grupo voltava para o hotel, Afonso e Alemão saíam não se sabia para onde. Na manhã seguinte, na hora do café, era aquela gozação, as pessoas ficavam zoando, mas Afonso, com toda sua classe dizia: “Vocês estão com inveja, porque ninguém conseguiu uma companhia interessante nessa viagem. Eu consegui.”
Nunca mais vi o Afonso. Também não sei se algum dia ele voltou a encontrar o seu Alemão. Mas que a história foi engraçada, ah isso foi, por isso, resolvi contar aqui. Porém, como diz o velho ditado: “Mentira tem perna curta”. Assim, aqui vai um conselho: quando conhecerem um alemão, não digam que é um baiano, ou, quando conhecerem um baiano, não digam que é um alemão. Porque até existe baiano de olhos azuis, mas jamais existirá um alemão negro. De uma maneira ou de outra, sempre haverá alguém para contar a verdade. Até porque, eu acho que as pessoas devem assumir suas escolhas, sejam elas aceitas ou não.