Vírgula.

Ao eterno adolescente João Antônio, que tinha em si todos os sonhos do mundo.

Não fazia frio nem calor. No meio daquele campo com flores espalhadas, eu parei pra sentir o dia em si, o momento, o cheiro daquele sentimento que eu não sabia definir. Assim como o dia, eu também não fazia frio nem calor. Estava enroscado em vários tipos de memórias que pesavam e faziam minha cabeça doer. O mundo girava e isso era óbvio. Meu coração pulsava, era óbvio também. Mas eu queria entender os porquês, as valetas escuras das explicações para todas as coisas que aconteciam, e bombardeavam na sua existência os milhares de corações pulsantes e mentes em trabalho no mundo inteiro. Na ponta do caixão, eu abaixei a cabeça e chorei em silêncio. E o silêncio gritava comigo. O silêncio do meu pai estapeava meu rosto fazendo machucados profundos. Porque ele foi embora por aquela estrada limpa e luminosa sem se despedir. Porque não tivemos uma última conversa e porque eu não disse, em momento nenhum, tudo o que eu sentia. E o que eu sentia, eu entendi depois que cavei a tristeza e cheguei à dor, era o sentimento mais lindo do mundo. Sentei no meio do vento, das pedras, das lágrimas e sussurrei baixinho um pedido de desculpas, pelo amor guardado, pela gratidão escondida. Fechei os olhos e no escuro da minha perda irreparável, eu senti e soube que ele me ouvia... Não haveria mais abraços, nem pipas no domingo à tarde, nem churrascos no sábado à noite, nem ele precisando de inúmeros cuidados, porque sempre foi um menino sem juízo. Haveria saudade. E como já havia previsto, eu fui sofrendo por isso aos poucos... Vez em quando eu fecho os olhos e converso com ele, que não responde... Mas eu aposto que me ouve. E eu deixei de acreditar em ponto final, e acredito encontrar ele depois dessa vírgula que resolveu aparecer. Depois dela, tem mais texto, tem mais vida e, espero eu, mais chances de ser feliz.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 06/07/2012
Reeditado em 07/07/2012
Código do texto: T3762908
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