A história de Luzia.

A casa era invisível a quem não via encantos. Uma porta para entrar, nenhuma para sair. Quem entrava, jamais sentia vontade de se retirar. Ao lado, uma árvore grande perdia sua vasta cabeleira quando o vento batia. E a varanda e a rua ficavam então cheias de folhas fofoqueiras, que corriam, e iam, e vinham. Luzia tinha metade da metade do tempo de vida das pessoas, e gostava particularmente de viver ali. Ela era a casa, era a calma, e ainda assim, não sabia ser. A mocidade lhe dera cabelos longos e escuros, olhos de mel, derretidos no açúcar do sorriso que vivia estampado entre duas maçãs rosadas naquele rosto cheio de uma emoção que acontecia sem mistério. De sapatos frouxos, e delicados, Luzia saltava nos ladrilhos da rua quieta. De fato ela saltava, de fato vivia, e sorria, de fato brilhava. Luzia reluzia. Ela era toda cheia de rimas. Sem saber que a vida pode azedar, ela ia contente aos fins de tarde, namorar sua liberdade. Até que a perdeu.

Sua liberdade foi roubada por um moço manso, com o cabelo de corte quadrado e sorriso quente. Foi certa tarde, quando ela corria atrás das folhas soltas, envolvida no vento, nos grãos de areia que voavam salpicando sua pele. Ele a olhou, ela o viu. E sabia, mais que ninguém, que olhar e ver eram coisas bastante diferentes. De repente, os sapatos pareceram mais frouxos, o vento forte demais, as coisas fora de ordem e a felicidade de Luzia ameaçada. Ele, que não era moço ruim, cobriu o resto de espaço que havia entre os dois, naquele encontro, no resto dos dias, por meses, e viveu nela. Os dois, na meninice de ser, colheram paixão fresca nos arredores da cidade. Àquela doce criatura, aquela figura feminina encantadora, uma sereia em terra, os vãos dos quadrados da sua rua eram estradinhas oportunas onde seu amor podia correr livre. As folhas eram ainda mais danadas, a árvore suspirava profunda e acolhia à sua sombra, ao fim de algumas tardes, dois corpos entrelaçados. Luzia sonhava. O moço, não se sabe. Ninguém nunca me contou. Mas ouvi dizer que Luzia namorava sua liberdade. Até que a perdeu.

A noite era quente, o céu todo salpicado de estrelinhas assanhadas que sorriam para Luzia e refletiam nela luz e encanto. Ela desceu a rua do primeiro encontro de sapatos novos, pulando como sempre, de ladrilho em ladrilho, em um jogo de amarelinha gracioso e sem fim. É que ela vivia querendo chegar ao céu... Chegou ao banco pequeno onde o rapaz, que agora possuía sua liberdade e coração, deveria estar. Ele não estava. Ela esperou. Ele não chegou. A luz de Luzia oscilava. O coração saltava de expectativa quando outro alguém qualquer passava por perto... Ele não apareceu por dias. Luzia virou esperança.

Outro dia, dançando triste ao vento sem o encanto misterioso que a cercava antes, Luzia envelheceu. Ela já não era mais a casa, mas ainda era calma. E havia aprendido a ser. Luzia fora encanto, depois paixão, e virou amor. Por fim, Luzia era esperança. E tristeza. Ainda sentia nos vãos dos dedos seus, os dedos do rapaz de sorriso quente. E ele nunca voltou não se sabe por que, ninguém nunca me contou. E ouvi dizer que Luzia já não namorava sua liberdade. E desde então não mais a perdeu. Mas depois de provar o melhor, liberdade se tornou pouco. A solidão foi morar com ela, a propósito de lhe fazer companhia, e Luzia passou o resto do final da história esperando. Ela continuava linda, agora velha, com as mesmas maçãs, com os mesmo sapatos frouxos e delicados. Namorava então a esperança. Até que a perdeu também.

Foi então que perdeu-se toda e partiu da casa, da perseguição das folhas, dos ladrilhos da rua. Chegou ao fim da amarelinha, foi morar nas nuvens. Porque sem esperança, não há quem sobreviva.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 03/07/2012
Reeditado em 03/07/2012
Código do texto: T3757564
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