Cervejas, certezas e cerejas.

Segurando minha garrafa de cerveja gelada, da sacada do barzinho abarrotado de almas de todos os tipos e cores, observo a peculiaridade da conquista entre alguns corpos. Entre os rostos e silhuetas, enxergo até além e vejo os predadores disfarçados com faces jovens e vejo as presas enroscadas em desejo, bebida, cigarro. Do meu quase altar fantasioso eu estudo algumas pessoas, e as defino na tentativa frustrada de talvez entendê-las e poder, enfim, me relacionar com algumas delas. As que valem à pena. Porque eu próprio já ouvi de más línguas que só almas pobres e tristes freqüentam as pistas de dança da cidade. Mas esse julgamento vem das mesmas pessoas que são contra preconceitos e isso chega a ser quase um crime de redundância. Hipócritas.

Voltando minha atenção para a população de olhos vigilantes no andar debaixo do bar, envoltas nas luzes e cores, em meio à fumaça de cigarros e venenos destilados por toda parte, é difícil perceber uma alma valiosa que me possa ser útil na busca de emoção nessa minha vida pequena. Talvez no meio de toda a maquiagem humana haja alguém que esconde uma lista com meus livros favoritos, ou talvez com livros ainda melhores que os meus. Mas a maioria é comum e eu chego a ficar irritado com o tédio humano que as pessoas costumam ser ao meu redor. Eu queria ter a mira certa... Me passa pela cabeça a ideia de descer com um cartaz no peito, escrito: Admite-se leitor para um relacionamento sério. Fico em dúvida se me esnobariam por querer algo sério com um deles, ou se parariam de ler o cartaz na palavra ‘leitor’. De fato não quero nada com alguém que não perca tempo com um bom livro. Sou mais complexo que uma leitura, se não agüenta o tédio de ler, quem dirá me agüentar! Babacas.

Todos em jeans apertados, correntinhas maneiras e camisetas coladas, com sorrisos cheios de segundas, terceiras, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos... Uma semana toda de intenções. Devorando uns aos outros como se fossem cerejas únicas em cima do bolo. Tomo um gole quieto da minha cerveja antes que esquente e continuo minha análise ignorante e prepotente daquilo que não é da minha conta, mas que pode vir a ser. Minha vontade louca é de pular dali, cair no meio do mundo e soltar uma frase do meu filme favorito. Eu namoraria aquele que me socorresse seguindo o script. Uma coisa que eu nunca encontrei em barzinho nenhum, nem em vida nenhuma, foi alguém que completasse minhas frases. Não que precise ser um dicionário para namorar comigo, mas seria interessante se a pessoa fosse uma pequena ortografia. Ou um trecho bem colocado. Se alguém estiver me observando lá debaixo provavelmente vai reparar no meu sorriso torto que soltei bem agora. O que me arranca esses sorrisos fora de hora, são pessoas fora de hora, que me rendem lindos trechos, mas nunca um texto final. Gosto particularmente dessas passagens e dessas pessoas. A vida precisa dessas singularidades, desses toques especiais, temperos a mais, algo assim. Mas a festa continua do lado de fora de mim e eu peço outra cerveja porque a minha acabou sem eu perceber.

Com outra garrafa gelada na mão, mudo o ponto de vista e vou para perto da escada estudar uma nova perspectiva antes de descer e me sujar com o costumeiro cheiro de flertes que acontece na parte debaixo do bar. Dali, nada muito diferente... Eu só me sinto mais próximo da libidinagem humana e do que eu hipocritamente julgo ser comum. No emaranhado de pessoas, alguns se perdem rezando para serem encontrados. Desses, nada desejo. Só desejo que eu jamais me perca, e que me ache sempre e todos os dias, pra quando for encontrado, ter a certeza de que não corro risco nenhum ao atravessar as muralhas que eu construí antes do encontro. Outros são encontrados demais, e concentrados no que são não enxergam ao redor. Desses, também nada desejo. É preciso alguém com o ego um pouco menor, para que eu possa ser visto também. Muita gente lá embaixo infla o ego como airbags e fica difícil de olhar o que se está a um passo de conquistar. Mas eu sei bem que uma hora alguém pega uma agulha e fura o que está inflado. O amor-próprio ou egocentrismo, por maior que seja jamais resiste a um amor não correspondido. E sobre amor não correspondido, não há um ser humano que não conheça. E entre esses dois tipos, há também aqueles que nem se perdem, nem se encontram, ou se perdem e se encontram o tempo todo. Desses, desejo menos que nada então. Não suporto a normalidade humana e pessoas que se moldam da maneira que eu desejo. Se eu quero te encontrar, é pra você fugir. Na brincadeira de esconde-esconde o primeiro a aparecer nunca é lembrado. Acaba minha cerveja. Pego outra garrafa. Desço as escadas.

Analiso de perto cada tipo de olhar que encontra o meu debaixo do jogo de luz e da música alta. Entre os achados e perdidos, eu tento achar alguém com o mesmo termo que o meu. Que não esteja encaixado nos padrões humanos de definições e tipos. Quero o tipo único, porque se for igual a alguém, eu posso trocar como troquei de cerveja essa noite. É o que fazem nessa parte debaixo da festa. Bebem-se, esgotam-se, trocam-se. Pessoas poucas. Mas eu continuo a procura por alguém que tenha cara de dono do lar, que cozinhe, ande de meia e chinelo na rua em dias frios. Alguém que colecione discos de vinil e ria de tudo, mesmo na cara de quem julga excesso de riso como desespero. E não acho. Canso, já me dói o pé e pessoas encharcadas de suor me atormentam se esfregando ridiculamente em mim, esperando talvez que eu os considere como as tais cerejas exclusivas do bolo. Como se eu fosse comê-los. Nojentos.

Assumo uma expressão negativa que os afasta e sigo para o caixa com a última garrafa de cerveja vazia. Já falo arrastado e me lembro do meu péssimo talento para beber. Saio do bar meio zonzo e anoto mentalmente que preciso parar com a cerveja. Perto de mim, vários casais se beijam e se abraçam cheios de amores com data de validade. Eu sigo sozinho de volta pra casa e acho melhor assim. Eu queria loucamente dormir nos braços de alguém essa noite, mas meu cachorro tem ciúme. Até penso em ter um relacionamento sério com a minha geladeira. Decidido, amanhã vou ao mercado pra enchê-la de presentes. Antes um coração vazio com uma geladeira cheia do que um coração cheio com uma geladeira vazia. Meu celular cheio de propostas sexuais e amorosas pra essa noite, mas eu sinceramente quero ir pra casa. Meu amor verdadeiro não fará propostas, fará acontecer. Enquanto isso, eu observo e estudo o mundo me sentindo sempre na sacada, de cima, melhor e maior enquanto as pessoas se perdem no meio do bar e da fumaça do cigarro dos comuns.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 30/06/2012
Código do texto: T3753462
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