LUZIA
A Luzia, filha da terra, é gaga. Tem 20 anos e trás no rosto o traço vigoroso da juventude, a rigidez dos ombros de mulher trabalhadeira, os cabelos atados, o sorriso simples e brejeiro dos caipiras.
Ao vê-la, ela usava esse vestido macio e gasto pelas continuas lavagens no sabão de pedra, no fundo do quintal. Luzia não foi para o carnaval. Na tarde de sábado, viemos encontrá-la, ao abrir a porta, com os olhos inchados, os cabelos desgrenhados e com aquele vestido macio e querido. É claro que, como filha da terra, fora criada distante dessa agitação.
Ela não trazia nos olhos a tristeza, a solidão. Se sentia esses desprazeres, sabia escondê-lo sob o riso gutural de moça caipira. Depois de oferecermos as nossas mercadorias, ela foi chamar a mãe para olhar os nossos produtos. E Sentou-se a moda do seu povo humilde, com o pé em cima da cadeira, meio derreada, com os olhos no perfume que estava em promoção.
Logo, a mãe seria revendedora de nossos produtos e explicávamos como ela deveria revendê-los. Luiza, desprovida de raciocínio rápido, ficava com as sobrancelhas arqueadas, e mostrava-se muito concentrada naquilo tudo para captar o que se dizia. A gagueira de Luzia era engraçada e ela não se envergonhava disso.
Luzia se espelha a essas pessoas simples e humildes que passam horas na fila do Hospital atrás de uma ficha para se consultar. Essa era ela: a Luzia, a trabalhadeira, a arrumadeira, que debulhava feijão, que olhava as panelas no fogão de barro, que saia com a família para plantar arroz, mandioca, num terreno distante.
Depois de uma semana de campo à tarde, debaixo de chuva, às vezes; debaixo de um sol escaldante, outras tantas; continuávamos trabalhando, encontrando gente indiferente, agastada, com a ignorância estampada na cara. Enfim, depois de tanto trabalho, quando já íamos embora na terça feira, sob ameaça de chuva forte, surge essa semente, esse resultado, esse ser entremeado da terra, tão simples quanto nulo para o capitalismo, mas de imenso sorriso: Luzia