Crônicas de um literário - Parte V - Final

Passaram-se seis meses desde o ocorrido, seis meses de uma melancólica solidão, gostaria de poder pular essa parte, mas não posso. E o maldito Carlos, tinha que ter viajado justo agora? Mas não posso culpá-lo, ele tinha que ter ido de qualquer jeito, seu pai acabou tendo um pequeno enfarte, nada podia fazer a não ser ir visitá-lo, essas coisas tendem a acontecer nos piores momentos, justo quando Fabrício não podia ficar só. Fabio está deitado no sofá, esta pensando no que vai fazer, ele parece estar hipnotizado pelo ventilador de teto, – ele suspira, e automaticamente pensa – Será que o Fabrício vai sair hoje? Tenho seguido ele todos os dias, e ele sempre vai para o mesmo lugar, a mesma estação, se senta e parece ficar pensando nela, deve ser difícil para ele tentar esquecê-la. Um movimento de passos vem se aproximando na sala, era Fabrício. Ele esta arrumado demais, não é de seu feitio andar assim – acabou por pensar, parecia que ia sair para algum lugar especial, preciso ir com ele, mas preciso de um banho urgente ainda estou um pouco de ressaca, embora não tenha bebido muito, ainda estou meio tonto, – pausa – ele esta olhando pra mim, talvez pense que ainda estou bêbado ou que esteja simplesmente dormindo, ele saiu, preciso ser rápido. – acabou por concluir Fabio.

Fabio abre os olhos e pula do sofá, corre para o telefone e liga para uma das únicas pessoas que talvez ele escute, disse onde ele estaria e explicou tudo, ela disse que poderia ficar de olho nele por um tempo, tinha um compromisso que não podia desmarcar, essa pessoa era Letícia, Fabio diz que era só ate ele tomar um banho e trocar de roupa, ela aceitou o termo, simples assim, e melhor, ela já estava perto da maldita praça, tudo estava dando certo, a não ser por um detalhe, Fabio corre para o banheiro e escorrega numa poça de água que Fabrício havia deixado na porta do banheiro, bati a cabeça e logo pensa no miserável! Maldito arruaceiro, se não fosse meu irmão eu te matava, desgraçado filho da minha mãe! – suspiro – calma, calma, melhor eu ir logo – pensou.

Logo que saiu, ligou para Letícia, ela diz que ele pegou um trem e não sabia para onde ia, mas Fabio sabia onde ele estaria. Ele esta lá, sempre está lá quando quer pensar nela, e lá ele entra em contato com as lembranças e os últimos resquícios dela. Não. Estou errado nesse ponto, acho que ela nunca o deixou, ela ainda esta viva em seu coração, pensou Fabio balançando a cabeça afirmativamente.

Acabou pegando um ônibus perto da sua casa, é nessas horas que a sorte sorri para algumas pessoas, se tivesse que esperar podia ser que não desse tempo, mas ainda bem que o destino lhe sorriu e fez o ônibus vir logo, tinha que ir rápido para o Oasis dourado, nome estranho para um condomínio, mas era ali que a Gabriela morava, Fabrício ia lá e só depois de segui-lo tanto foi que descobriu isso, Fabrício ficava de frente para ele olhando-o, mas nunca entrava, devia ser difícil para ele, tenho que ficar de olho nele, não gosto de vê-lo assim, - pensou Fabio. Acabou descendo um pouco antes da parada, para ele não lhe ver, desceu duas paradas antes e foi andando pelas ruas, acabou notando que era um dia frio e nublado, o sol queria passar, mas as nuvens também tinham o direito de passear pelos céus, começou a andar rápido, ele deve estar de frente para o prédio onde ela morava – acabou pensando – Fabio passa apressado pelas ruas e nota que esta tocando uma música conhecida algo numa loja.

Fabio acaba de achar algo que o faz rir, acabou de se lembrar como ele e Fabrício tinham gostos bastante parecidos e ao mesmo tempo diferentes, gostavam de músicas antigas, mas enquanto ele gosta de músicas suaves, Fabio gosta das mais pesadas, era por isso que Fabrício sempre se referia a ele como metaleiro, também tirando o fato de Fabrício amar o Steven Morrissey. Às vezes Fabio morria de rir quando saiam os três, Fabio, Fabrício e Carlos, e era por os pés dentro do carro e Fabrício ligava o som bem suave, e ia assim por toda a viagem escutando Morrissey, Carlos ate brigava por causa disso, ele sempre falava que estava cansado de ouvir o maldito Morrissey, mas na verdade ele também começou a gostar, só fazia isso para deixar Fabrício furioso, pois quando falava isso começava um bate boca dos infernos.

A música que tocava naquela tarde ele conhecia... Era Fade To Black, ele conhecia bem a letra e senti um arrepio na coluna quando se lembra de seus versos...

“Yesterday seems as though it never existed

Death greets me warm,

Now I will just say goodbye”

“O ontem parece nunca ter existido

A morte me recebe calorosamente,

Agora eu vou apenas dizer adeus."

Quando nos últimos acordes ele disse “agora eu vou apenas dizer adeus” Fabio tinha chegado à frente do prédio, só que não via Fabrício, ele já deve ter saído – pensou – Fabio virava para ir embora, quando por um mero toque do destino ele olha para cima, e uma gota de chuva cai em seus olhos e automaticamente o faz fechar eles, fica parado com os olhos fechados e ouve um estrondo, seus olhos ainda ardiam, mas conseguiu abri-los com dificuldade e viu o que tinha acontecido, alguém se jogou de cima de um prédio, um suicídio... Às vezes ele pensava o que leva uma pessoa a fazer tal ato? Não gostava de ver essas coisas, logo um enxame de abelhas curiosas fazem tumulto para ver o corpo, diziam que era alguém jovem.

Pobre rapaz – pensou – já estava se virando para ir embora quando pensou, para fazer isso deve estar sofrendo muito, sentiu de novo o calafrio na coluna, ele se vira e caminha, não podia ser. Não! Deus não faz isso comigo. – pensou ele – já esperando o pior, mas quando chegou perto... Era verdade, a dor cega e dói. Só quem sofre acho que pode tentar ajudar uma pessoa... Era ele, era Fabrício ali, tinha caído bem em cima de um carro, sua mão escorria manchando com sangue as alianças que ate agora ele guardava com tanto afeto.

Carlos só chegou um mês depois, Fabio não teve coragem de dizer a ele por telefone que o irmão havia morrido, já haviam o enterrado. Quando Carlos chegou e soube quis ir ao cemitério onde Fabrício havia sido enterrado. Letícia também quis ir, estavam todos de frente do tumulo de Fabrício, todos em silêncio. Quando Carlos disse que se sentia culpado pelo que aconteceu, por não estar aqui durante esse tempo lhe dando apoio, Letícia confessou que também se sentia culpada, por não tê-lo parado e ter ficado com ele. Pela dor que sentia, por um momento ate Fabio achou que eles eram mesmo os culpados de tudo isso que aconteceu, deveriam ter ficado com ele, mas logo se deu conta da besteira que estava pensando, eles não tinha culpa de nada, absolutamente nada, na verdade ninguém tinha culpa de nada.

Carlos olha para tumulo de Fabrício e diz um refrão.

“But fresh lilaced moorland fields

Cannot hide the stolid stench of death”

“Mas campos frescos e flores lilases

Não conseguem esconder o impassível cheiro da morte”

– O que é isso Carlos? – Pergunta Fabio olhando ele.

– É uma musica – diz Carlos despreocupado.

– De quem – pergunta Letícia curiosa.

Carlos sorri e diz The Smiths. Sempre Morrissey, sempre The Smiths, sempre a mesma trilha Sonora, agora já nem podiam reclamar, vez ou outra sempre se pegavam ouvindo eles. Parece que de tanto insistir Fabrício os fez gostar também, e todos acabaram por rir. E a última lembrança do amigo, não foi um choro ou uma cara triste, a última lembrança de Fabrício foi um sorriso, um lindo sorriso.