O Candelabro
Estou sentado em minha cadeira, bem na frente da minha escrivaninha, olho do lado de fora da janela, e vejo à chuva que caí fortemente nessa noite de outono, o candelabro da igreja jaz bem longe daqui, sua luz é pequena, parece um farol, um pequeno farol, concluí agora depois disso, que a escuridão da noite é o mar, se assim o posso chamar, um mar de trevas, e as estrelas são ainda mais belas nas trevas, pois não tem o sol para atrapalhar, hoje seria uma bela noite para se olhar as estrelas, se a chuva não inibisse o seu brilho. A escuridão e a solidão estão sendo as minhas únicas companhias nesse momento, o telefone esta mudo, a energia faltou, se não fosse à vela que acendi, e aquele velho candelabro da igreja para me distrair, tenho certeza que o devaneio tinha consumido minha razão, os pingos da chuva estão gotejando na minha janela, estão tentando me alcançar, o que pode eles querer comigo? Nada, Seria a resposta, Se assim o posso concluir.
Na minha escrivaninha, está uma folha em branco e uma pequena faca, oriunda herança daquela tarde de sol, lembro-me que a esqueci ali depois de ter despido uma laranja, e a ter possuído. Igual um estuprador? Sim, me chame de estuprador de frutas! Desculpe, o tom de loucura que usei agora, isso me coloca como um possível psicótico? Oh! Mil perdões. Sou da escola machadiana, e minhas idéias só se empolgam com esses fatos e minha imaginação apodera-se das minhas mãos. Oh! Mil perdões...
Estou ouvindo duas vozes, uma delas é a caneta, esta sedenta, pede o cheiro de sangue, mas o sangue que ela pede nada mais é do que a tinta, ela quer-me ver dilacerar, esquartejar, e depois renunciar ao crime que sempre cometo, quer ver um crime de perto, como o sempre faz, ela é testemunha oculta de vários crimes, ela é minha cúmplice, minha aliada, minha ferramenta se assim a posso chamar, ela quer ver o sangue escorrer pelo papel, e gotejar letras em palavras e palavras em versos, e versos em poesias, ela quer ter um poema escrito assim sem mais nem menos, ela quer que eu a utilize e depois assine como o maior escritor de todos os tempos, ela quer que eu seja o autor desconhecido.
Enquanto delirava com a conversa telepática que tive com minha caneta, percebo o olhar da faca sobre mim, um olhar frio e corrosivo, essa ao contrario da caneta, não queria outra coisa que não fosse o sangue das minhas veias, senti seu cheiro, um cheiro que urrava por carnificina, um cheiro forte e temeroso estava no ar, senti um arrepio na ultima vértebra da minha coluna, olhei para elas, estavam bem na minha frente, peguei a caneta e a olhei fixamente, estava calada, estava quieta... – ou será que sempre foi assim e eu é que estou a delirar? – coloquei-a de volta ao seu lugar e peguei a faca, está sim, estava imponente, estava viva, parecia pedir-me que a encostasse no braço, precisamente no pulso, relutante com a idéia, no final acabei cedendo ao seu capricho, parecia fetiche de senhora desavergonhada, quis me aventurar nesse perigo também, encostei-a no meu pulso e senti meu sangue insolente indo de um lado para o outro, de repente puxei-a rapidamente por meu pulso e fiz jorrar minha vida pelo braço direito, pouco a pouco ia manchando o chão, e pouco a pouco vi meus sentidos irem embora, olhei pela janela e o candelabro parecia se aproximar em alta velocidade. Senti o chão tremer, o candelabro erguia-se imponente pela montanha, era questão de segundos para me arrebatar, percebi que ganhará mais velocidade, ouço um apito de trem, fico confuso com tudo isso, olho para meu braço esquerdo, noto que esse também está a sangrar, tento me afastar da janela em menção de tentar fugir, mas tropeço em algo, são trilhos! Trilhos estão em meu quarto e um candelabro vem ao meu encontro Igual um trem, meus pulsos ainda sangram, o sangue começa a encher o meu quarto, e o volume começa a demarcar meus tornozelos, tento me levantar e fugir, mas ouço o derradeiro aviso, o apito do trem está logo atrás de mim, estou de joelho e não tenho mais forças para tentar sair, simplesmente aceito o fim que se aproxima, os trilhos começam a tremer, a luz do teto começa a falhar, a escuridão agora jaz ao meu lado, vejo meu quarto se encher de luz! Era a luz do trem que vinha se aproximando, sinto minhas costas arder, sua luz é forte e me preparo para a última respiração, por um segundo pensei em olhá-lo e admirar esse efeito psicótico da natureza, mas contentei-me em apenas rir da situação, imaginei os jornais da manhã seguinte com o cartaz, “Extra! Extra, garoto é encontrado morto, suspeito é um candelabro viajante! Extra!” A luz fica mais forte, sinto minha camisa queimar, senti ser esse o meu último segundo, respirei pausadamente e me preparei, enchi os pulmões e fechei os olhos...
Quando abri meus olhos, ainda estava sentado na cadeira do meu quarto, bem na frente da minha escrivaninha, acabei adormecendo na mesma, olhei e vi a caneta que estava na minha frente, junto com a que faca jazia adormecida ao seu lado, por meros segundos, achei-me louco das idéias, levantei-me e um pouco temerário fui ate a janela, olhei para fora e lá estava o candelabro, – olha lá o maldito! – pensei, acabei por rir de mim mesmo, não é toda noite que se tem uma viagem psicodélica dessas, ainda estava a rir quando, meu braço coçou e senti um caroço no braço, e quando fui ver, era uma cicatriz. Não, Eram duas cicatrizes! Uma em cada braço, uma em cada pulso. Nas noites seguintes ainda pensei se tudo podia ter sido apenas um sonho, mas poderia ter sido real também, fiquei aguardando o que podia ocorrer, mas nada aconteceu, ainda penso nesse fato ate hoje, e tento esquecer-me dele, mas a lembrança esta viva ate hoje, e nas noites de chuva teima em me visitar, olho nos olhos da lembrança e apenas restrinjo-me a dormir, não quero pensar nele, não quero ver o candelabro voltar. Prefiro acreditar que foi um sonho.