Acreditem se quiserem

Essa história que vou lhes contar aconteceu quando eu era garoto. Este fato, quase verídico, aconteceu em uma tarde ensolarada lá no interior de Goiás. Já andei falando desse tal sujeito em outras épocas, mas para lhe clarear um pouco a memória, basta dizer que o nome dele é Zé Pretinho, um cidadão honrado que morreu de preguiça. Parece brincadeira mais essa é a mais pura das meias verdades.

Ele nunca trabalhou, sempre viveu as custas dos vizinhos e da caridade da igreja que não lhe deixava morrer de fome. Trabalho para ele era como doença, era só ouvir falar que havia um novo emprego na cidade que ele caía de febre. Só levantava quando contavam que a vaga já havia sido ocupada.

O engraçado é que ele pedia para ser enterrado vivo, dizia que não queria morrer, que a morte não trazia felicidade. Todo domingo ia à igreja pedir para o padre lhe dar a extrema-unção. O padre, um ancião italiano, pedia que ele voltasse para casa, que rezasse um Pai Nosso e uma Ave Maria em voz alta. Zé Pretinho era obediente, sempre retornava e sempre rezava. Mas naquele dia resolveu que realmente queria ser enterrado, nada lhe tirava aquela ideia da cabeça. Juntou suas economias, foi até a funerária, escolheu e comprou o caixão mais simples que havia na loja.

Depois de tudo acertado, colocou o caixão nas costas e foi até o centro do povoado. Rapidamente uma multidão se fez presente. Ninguém estava entendendo nada, a cena era realmente patética, mas como todos o conhecia e sabiam das suas intenções, logo apareceram os primeiros voluntários para carregar o caixote, mesmo sabendo que ele estava vivo.

O cortejo seguiu normalmente pela avenida principal, alguns cantavam outros choravam, pensando que ele estivesse realmente morto.

Próximo ao cemitério uma carroça de melancia atravessou a rua atrapalhando a corrente humana que levava o morto-vivo. O carroceiro fez sinal da cruz e, com voz embargada, perguntou:

__ Quem é o falecido?

Alguém respondeu.

__ Ele não está morto.

__ Não?!

__ Não! Ele não quer trabalhar. Disse que prefere ser enterrado vivo.

__ Se o problema é esse, diga a ele que dou minha carroça com toda a carga que tem para que ele não precise mais trabalhar.

De dentro do caixão Zé Pretinho levantou a cabeça, num derradeiro esforço perguntou:

__ As melancias estão com as sementes?

__ Sim.

__ Então pode seguir com o cortejo.

Ainda hoje me lembro da cara dele, parecia que estava dormindo. Mas é sempre bom lembrar que quem conta um conto aumenta pelo menos dois pontos.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 09/02/2007
Reeditado em 01/11/2017
Código do texto: T374739
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