CARTA AO TEMPO
Ela se observava no vazio da noite, no vazio de si. E se perguntava qual seria a lição do tempo dessa vez?
Afinal, o tempo nunca erra, ele sempre ensina.
Sendo assim, onde estaria a falha que fazia o tempo andar errado?
Foram tantos anos para encontrar a paz dentro de si, tantos anos para arrumar a bagunça e harmonizar a própria alma com o mundo...
E quando enfim, pensou não precisar de nada mais, encontrou.
Encontrou a companhia exata, a paz no outro, o refúgio, reflexo perfeito do que sempre sonhou para si.
A verdade é que ninguem erra, sem o prévio intuito de acertar. E quão grande é a proporção do erro para cada acerto...
Ela sempre quis fazer o bem, sempre quis evitar a dor; ela não suporta olhares desapontados e expressões de decepção...Ela sempre quis apenas acertar o tempo certo das coisas.
E se omite é para poupar uma lágrima, e se mente é para evitar uma dor.
Ela se tornou um pássaro, que insiste em permanecer na gaiola, mesmo com a porta aberta.
Porque a própria beleza de voar e ser livre, perdeu o valor diante do afeto oferecido gratuitamente.
Trocou o canto pelo encanto, apesar do medo. Foi cativada, e não submetida à um cativeiro.
Então veio o tempo, como vento sorrateiro, e segurou a menina pelos cabelos, e sussurou delicadamente em seu ouvido, que não poderá mais esperar.
É que dois amores não ocupam o mesmo espaço, mesmo que um deles seja o amor próprio...pensa a menina.
Assiste a noite fria, e vasculha o vazio da mente, à procura de algum penhor para negociar com o tempo...Em busca de algum valor, para ceder ao tempo em troca de um favor.
Para que o tempo seja mais lento, para ela viver o amor. Para ela não perder o amor.
Para que o tempo corra macio, não a devore, nem deixe ninguém para traz.