Tanto risco por nada
Tanto risco por nada
Três amigas conversavam em uma mesa de bar: Marcela, Janaína e Bianca.
O papo estava muito animado, descontraído, o chope geladinho, mas, de repente, Marcela ficou séria e falou:
- Gente, eu preciso muito que vocês me ajudem.
As outras duas, surpresas, perguntaram quase que simultaneamente:
- Como assim? Ajudar em quê?
- É. Ajudar a fazer o que?
E Marcela, com o maior cinismo, respondeu:
- Preciso que vocês me ajudem a trair meu marido. (risos)
- Você só pode estar brincando, Marcela! Que loucura é essa? - Bianca falou indignada.
Janaína, por sua vez, não conseguia falar nada, apenas gargalhava.
Marcela tentava argumentar:
- Ô gente, vocês sabem como é minha vida. Se eu não fizer uma loucurinha dessas, acho que vou pirar de verdade.
- Você já está pirada! Só essa ideia já é uma tentativa de suicídio. Aliás, minha amiga, eu já estou até imaginando o que aconteceria se você fizesse mesmo essa loucura: Carlos mataria você e o cara. – disse Bianca.
- E quem é o pobre coitado que ficará na mira do Carlos? – falou Janaína quando, finalmente, conseguiu parar de rir.
- É o Fred.
Veio mais uma rodada de chope. As amigas continuavam nesse papo doido de trair marido para cá, trair marido para lá. Bianca, a mais sensata das três, insistia em dizer que Marcela deveria desistir da ideia. Janaína, a mais atrevida, e já sob o efeito do chope, dava a maior força:
- É isso aí amiga! Sacaneia mesmo aquele babaca do Carlos! Ele já fez você sofrer demais!
Bianca se irritou com Janaína:
- Ô Jana, fique quieta! Você não percebe que a situação é séria?
Marcela dizia que estava decidida a sair com Fred, tivesse ou não o apoio das amigas.
Bem, vamos explicar melhor essa história para tentar entender a atitude de Marcela.
Quando conheceu o Carlos, Marcela estava vivendo uma fase muito difícil. Havia ficado viúva e tinha um filho pequeno para criar. Carlos se mostrou um cara atencioso, compreensivo e disposto a assumi-la com filho e tudo. E ele era, como ela mesma dizia, um cara trabalhador, divertido, com quem sabia que não haveria rotina. Foram morar juntos. Porém, não passou muito tempo, Carlos revelou-se um cara problemático. Começaram a surgir os desentendimentos, por diversos motivos, mas principalmente por ele beber demais. Quando estava alcoolizado, Carlos perdia a noção: metia-se em confusões, acidentou-se de carro mais de uma vez, atrapalhava-se com as contas e começou a acumular dívidas. Nas discussões ofendia Marcela, implicava com o menino por qualquer motivo. As coisas chegaram a tal ponto que Marcela resolveu se separar. Carlos implorou para que ela não o abandonasse. Prometeu que mudaria, que pararia de beber, que não causaria mais problemas a ela e ao menino. Marcela resolveu dar uma segunda chance a ele, mas já não o amava mais. Na verdade, acho que nunca amou. A carência talvez tenha sido o motivo que a levou a viver com ele. Além disso, ela precisava de uma pessoa que a ajudasse criar o filho.
Durante algum tempo, a vida de Marcela e Carlos ficou tranquila. Parecia mesmo que ele havia mudado: não se embriagava como antes, embora não tenha parado totalmente de beber, vendeu o carro para quitar algumas dívidas, arrumou um novo trabalho. Entretanto, o clima começou a ficar tenso de novo e, dessa vez, por causa de ciúmes. Carlos passou a demonstrar um ciúme doentio de Marcela. E não era só ciúme com outros homens, mas era com o filho, com os amigos, e até com a família dela. As ofensas e as implicâncias recomeçaram. Marcela ameaçou abandoná-lo novamente, e, mais uma vez, ele pediu perdão e implorou para que ela ficasse. Ela ficou. Mais um período de trégua, mais um de guerra. Outro período de trégua, outro de guerra. Ela continuou ficando. E assim continuaram por muitos e muitos anos.
Algumas pessoas tentavam entender por que Marcela não conseguia se separar de Carlos. Ela não era feliz, ele não era feliz. Que relação doentia era essa que só fazia mal a um e ao outro? Talvez nem Freud conseguisse explicar. O sexo sempre foi ótimo, segundo ela, mas será que só sexo consegue prender duas pessoas quando todo o resto é uma merda?
Marcela trabalhava como secretária em uma faculdade. Bianca e Janaína também eram funcionárias na mesma instituição, e foi onde começou a amizade das três.
Foi também onde Marcela conheceu Fred, um estudante de Economia, que a tratava com gentileza, de um jeito especial. Depois de alguns meses de terem se conhecido, ele começou a lhe fazer convites para saírem, para poderem conversar em lugar mais tranquilo e se conhecerem melhor. Ela dizia que era comprometida, e que o marido era ciumento e agressivo. Fred não se intimidava, continuava insistindo. Isso foi mexendo com a libido e com a auto-estima de Marcela. Afinal, ser paquerada por um cara bonito, educado, simpático e mais jovem, era mesmo uma massagem no ego. Ainda mais com tantas garotas bonitas e da mesma idade que ele na faculdade, por que foi se encantar justamente por ela? Fred devia ser, pelo menos, uns 8 anos mais novo que Marcela que, na época, estava com 35 anos. Ela ficou ainda mais envaidecida quando, no seu aniversário, recebeu de Fred um lindo buquê de rosas vermelhas com um cartão cheio de palavras melosas e tentadoras. Ela se lembrou que, em todos os anos de relacionamento, nunca recebeu sequer um botão de rosa de Carlos. Fred mexeu com o romantismo de Marcela, e foi assim que conseguiu convencê-la de combinarem um encontro.
De volta ao bar:
- Vocês vão me ajudar ou não? Se não me ajudarem eu vou sair do mesmo jeito. – disse Marcela.
- Pense bem, mulher! Olha o que você vai arrumar para sua vida! – Bianca alertou.
- Eu preciso viver essa experiência. Vai ser só uma vez, eu juro! Eu nunca traí o Carlos. Mesmo ele me tratando do jeito que trata, nunca pensei nisso. Mas agora, eu não consigo tirar isso da cabeça. O Fred é gatinho demais e deve ser muito gostozinho também. Eu quero pagar pra ver!
- Marcela, Marcela! Isso é muito perigoso! – Bianca insistia.
Enquanto isso, Janaína já estava no quinto chope, cantando junto com o carinha que o bar contratou para a noite: “Vem me fazer feliz porque eu te amo/ você deságua em mim eu Oceano...”
No final da noite, quando o bar estava praticamente só com as três clientes, o cara do violão já tinha parado de cantar, Bianca propôs que tomassem a saideira:
- Gente, vou pedir a saideira e a conta, hein!
- Ah, eu não quero ir embora não! – disse Janaína.
- Jana, você já está ficando “zuzu bem”. Chega, né?
- Chata! Você é muito chata, Bianca! – disse Janaína, injuriada.
As amigas se despediram e seguiram para suas casas. Bianca recomendou à Marcela que pensasse mais um pouco sobre o assunto. Estava preocupada com a amiga.
Para encurtar a conversa, não houve jeito de demover Marcela daquela loucura. Assim, só restou à Bianca e à Janaína ajudá-la a criar uma situação para o encontro.
Foi combinado que Marcela diria para Carlos que viajaria com Bianca para o Rio de Janeiro para acompanhá-la numa visita a um parente. “A viagem” seria no sábado e elas estariam de volta no domingo à tarde. Janaína só teria de confirmar, caso o Carlos ligasse para sua casa ou a encontrasse na rua. Assim foi feito. Na tarde de sábado, Fred pegou Marcela na casa de Bianca e seguiram para Penedo, uma cidadezinha turística a uns 90 Km da cidade onde moravam.
Bianca, coitada, teria de passar o final de semana trancada dentro de casa, sem poder nem mesmo atender ao telefone, para não correr o risco de ser surpreendida por Carlos. O que não se faz por uma amiga?!
No domingo à tarde, quando Marcela retornou do passeio, Bianca e Janaína, não se aguentavam de tanta curiosidade. Acreditavam que a amiga voltaria feliz com mil novidades, mas o que viram foi uma cara de decepção.
Segundo ela, o passeio até que foi bom, mas não do jeito que havia imaginado.
- Gente, a cidade é uma graça, é muito bonitinha; a pousada era muito confortável e aconchegante, apesar de eu ter me assustado com uma perereca no banheiro quando fui tomar banho; e a comida era uma delícia! Mas o Fred...
As amigas muito ansiosas:
- Fala, Marcela! O que tem o Fred? – disse Bianca.
- É, conta Marcela! Ele não é bom de cama, não?! – perguntou Janaína.
Nesse momento Marcela soltou uma gargalhada e, com a mão direita, mostrou usando os dedos polegar e indicador:
- Gente, o negócio dele é desse tamanhozinho assim! Imaginem só, a camisinha ficava sobrando, parecia até o Fantasminha! Coitado, a natureza não foi nem um pouco generosa com ele! Quando penso que corri tanto risco por nada! É por isso que não deixo o Carlos.
E, às gargalhadas, as três amigas passaram o resto da tarde comentando a aventura de Marcela em Penedo.
Jorgenete Coelho