O homem das laranjas

Meu nome é Jorge. Jorgenete (plagiando o famoso agente secreto James. James Bond).
Na verdade, recorri a esta brincadeira como introdução, porque o tema do conto de hoje é justamente sobre nomes.
Antes de começar a história, gostaria de esclarecer que meu nome não é junção de outros dois, como por exemplo, Jorge com Anete. Não. Se bem que existem muitas pessoas de nomes inventados a partir dos nomes dos pais: Mariel, de Maria e Joel; Cristal, de Cristina e Juvenal; Catacisco, de Catarina e Francisco. Desculpem, foi mais uma brincadeira.
A origem do meu nome está na fé de minha falecida mãezinha. Ela, uma devota ardorosa do Santo Guerreiro, o querido São Jorge, resolveu homenageá-lo me dando esse nome. Vou confessar uma coisa: eu não gostava nadinha do meu nome quando era criança. Eu odiava quando alguém dizia: "Que nome esquisito!" ou "Seu nome é diferente!". E tinha gente que não segurava o riso e eu me sentia muito mal. Isso era bulling, não era? Porém, com o passar do tempo, com a maturidade, fui até achando-o bem simpático. Além do mais, já tem Marias, Sônias, Reginas, Fátimas, Glórias, Cristinas e Aparecidas demais no mundo. Jorgenetes, não. Aliás, eu conheço poucas. Somos quase exclusividade. Mas o que eu gosto mesmo é do meu cognome ou epíteto (só para falar um pouquinho difícil), ou seja, do meu apelido: Jô. Não é uma gracinha? Muito singelo! Adoro!
Mas vamos ao que interessa: a história de hoje.
Era uma linda manhã de domingo.
Dulce seguia para casa, de volta da feira, carregando sacolas com diversos produtos.
Era empregada doméstica. Desde muito jovem trabalhava em casa de família. Era uma mulher de poucos sonhos, de quase nenhuma vaidade, mas muito trabalhadora, honesta e eficiente. Sem contar que era muito bonita. A patroa, dona Isaura, a tinha em grande estima.
Nesse dia, Isaura havia recomendado a Dulce que fizesse para o almoço: um frango assado com batatas coradas, macarronada e uma salada bem sortida. Não havia ingredientes para a salada na geladeira, por isso ela foi buscá-los na feira.
Como as sacolas estavam pesadas, cheias com batata, cenoura, vagem, alface, tomate, agrião, brócolis, pimentão, além de frutas como maçã, banana e laranjas, Dulce resolveu parar um pouco para descansar. Sentou-se em um banco da praça, pegou um lenço na bolsa, passou-o pelo rosto suado e ficou ali durante alguns minutos se abanando. O calor era intenso! Mes de janeiro, o sol já cozinhava-lhe os miolos às nove horas da manhã.
Depois de ficar sentada durante uns dez minutos, Dulce retomou seu caminho. Faltava pouco, muito pouco para chegar ao seu destino...Destino? Eu disse destino? Sim, eu disse. Pois é, quando estava quase chegando em casa, um incidente aconteceu: a sacola de frutas arrebentou. Nossa! Dulce entrou em desespero. As laranjas e maçãs rolaram pela calçada, as bananas se soltaram da penca, a outra sacola com as batatas ameaçava também arrebentar, ela sem saber onde e como segurar, enfim, um sufoco! Eis que surge o herói salvador! Tchan, tchan, tchan! tchan! Um transeunte abaixou-se para ajudá-la:
- Calma, moça! Eu pego tudo para você!
Dulce, ainda muito nervosa, dizia:
- Ah, moço, muito obrigada! Muito agradecida! Mas e agora, como fazer para levar as coisas se a sacola rasgou?
O homem, que também carregava alguns pacotes, deu um jeito de reorganizar suas compras e cedeu uma sacola para que fossem colocadas as frutas.
Dulce novamente agradeceu e finalmente olhou para o rosto do homem que, na confusão, nem tinha reparado. Nesse momento algo passou por seu pensamento: "Meu Deus, que homem bonito!"
Por "coincidência" o caminho dos dois era o mesmo. Então foram juntos até à portaria do prédio onde ela trabalhava e, aí sim, fizeram-se as apresentações:
- Como é o nome do senhor?
- Não, não precisa me chamar de senhor. Meu nome é Durval. Muito prazer!
- Ah, muito prazer! O meu é Dulce, mas todos me chamam de Dudu.
- Olha que coincidência! Eu também tenho o apelido de Dudu!
Os dois riram da situação.
Durval ainda perguntou?
- Você mora aqui há muito tempo? Eu nunca a vi por aqui.
- Eu trabalho aqui nesse prédio, mas moro em Cascadura.
- Ah, você é empregada doméstica?
- Sou sim. Gosto muito do meu ofício!
- Claro! É uma profissão muito digna.
- Olha, Durval, preciso entrar. Mais uma vez obrigada por me ajudar. Tenha um bom dia!
- Não há de quê. Bom dia para você também!
A partir desse domingo, muitas foram as vezes que Dudu e Dudu, se encontraram à caminho da feira, no supermercado, na padaria. Trocavam cumprimentos e sorrisos, e só. A Dudu pensava no Dudu todos os dias e sonhava com ele todas as noites. Estava apaixonada. O Dudu também parecia estar atraído por ela, uma morena bonita, de cabelos pretos e lisos. Parecia uma cabocla. Mas ele não se chegava. Ela também não tinha coragem, afinal, moça decente não devia tomar a iniciativa (isso foi há vinte anos, hoje as mulheres partem para cima).
Isaura era uma boa patroa. Gostava de conversar com Dudu, não a tratava como empregada e sim como amiga. Às vezes, as duas passavam horas conversando, e Isaura contava muitas coisas de sua vida íntima para Dudu. Essa confiança era recíproca, Dudu também contava para Isaura seus sonhos, sua paixão por Durval, falava sobre sua esperança de que ele a pedisse para namorar.
Quando Dudu voltava das compras com semblante alegre Isaura dizia:
- Ah, já sei! Você encontrou o homem das laranjas, não foi?
- Encontrei sim, dona Isaura. Ele estava lá na padaria. Ai, dona Isaura, ele estava lindo com uma camisa amarela!
- É Dudu, você parece que está mesmo apaixonada por esse rapaz!
- Estou. Eu estou louquinha por ele, dona Isaura! Mas ele não fala nada, só fica rindo para mim...
- Calma Dudu! Se ele está mesmo gostando de você, ele vai chegar.
Já havia passado alguns meses desde que Dudu e Dudu se cruzaram pela primeira vez, no episódio das laranjas, quando, finalmente, numa tarde de domingo, num forró na Feira de São Cristóvão eles se encontraram. E aí, pronto. Não teve mais jeito, a paixão foi revelada no momento em que dançavam "por isso eu vou na casa dela ai, ai/ falar do meu amor pra ela/ tá me esperando na janela/ não sei se vou me segurar..." (Ah, Gilberto Gil arretado!).
Namoro, noivado, casamento. Não podia dar noutra coisa. Dudu e Dudu sa casaram, foram morar em Cascadura, num puxadinho construído no quintal da casa dos pais dela.
A Dudu, ainda ficou um tempo trabalhando na casa de dona Isaura, mas começaram a vir os filhos e ela não teve condições de continuar.
Dudu e Dudu tiveram oito filhos. Isso mesmo, oito filhos. Quase a dúzia de laranjas que rolaram na calçada no primeiro encontro. Mas, o mais interessante dessa história é que os filhos, assim como os pais, receberam nomes começados com a letra "D": Dalila, Deise, Donato, Dionísio, Doralice, Denise, Diego e Diogo. E mais interessante ainda é que o sobrenome também é com D: Dutra.
É claro que numa família como essa não podia faltar uns apelidos para torná-la ainda mais interessante: Dadá (Dalila), Dedé (Denise), Didi (Dionísio) e Dodô (Donato). Deise e Doralice escaparam, mas também ganharam seus apelidos: Zizinha e Alicinha. Já os gêmeos são chamados pelo nome, mas no diminutivo Dieguinho e Dioguinho.
E essa é a história que, graças a uma dúzia de laranjas, uniu Dulce e Durval, que se casaram, tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre.
Bem, se foram felizes para sempre eu não posso garantir, porque vamos combinar: morar num puxadinho, ter oito bocas para alimentar, ter que vestir e calçar essa criançada toda, sei não.
Mas, dizem que o amor faz milagres. Sendo assim, que Dudu e Dudu tenham encontrado a felicidade. Que o amor tenha sido forte para superar todas as dificuldades.

Jorgenete Coelho.









 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 20/06/2012
Reeditado em 17/12/2012
Código do texto: T3735188
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