_Escolhas e sonhos

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– Os poetas... Ah, os poetas!

– Algo contra os plumitivos[1] bardos[2]?

– Não. Percebo, entrementes[3], certo esgotamento nas inspirações. Será que ainda existem metáforas pra definir o amor?

– Para quem cria, inventa ou faz da própria vida poesia, nada mais inglório que se valer dos outros. Entretanto, há recriações ou filtros do passado que merecem, sim, serem retomados sempre. Um desses momentos de sensível perfeição poética existe no poema que segue:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)

– Verdade. Bela composição, mas os poetas sempre usam as palavras para o convencimento das pessoas?

– Acredita existir poder de convencimento pautado em mentiras, irrealidades, ou em devaneios simplórios duma mente fértil, inutilmente regada pelo desejo de perscrutar[4] o novo? Claro que não! A empolgação e o desejo surgem de algo verdadeiramente peculiar e mentalmente significativo. Retratamos no papel o imaginado, retirando a essência do sonho. A ficção é o extravasamento da realidade tentada. Por vezes há o assassínio, mas é preciso morrer para nascer!

– Tenho medo de me espreitar depois da catarse[5] da sua ilusão. Você é poeta, certo?

– Perguntaram a um homem: você é louco? Ele respondeu: “Não, sou poeta!” Os poetas, todos eles, inspiram-se em musas reais, palpáveis, embora “virgens” e inalcançáveis para eles – muitas vezes, a fealdade impede aproximação mais concreta e íntima. Nessas horas, a lucidez do devaneio é que possibilita a existência desse amor distante, podendo concretizar-se em versos, atos ou palavras. Loucura? E se os poemas são lindos aos olhos de quem os inspira, saiba que o mensurar dessa beleza é diretamente proporcional à luz que o fez nascer. A beleza da poesia extrapola a própria poesia; está na motivação, na inspiração, na musa... Se alguns poemas parecem lindos, lindas e dignas de todos os elogios devem ser as musas, deusas, divas que os inspiraram.

– Merecer ser a sua poesia me constrange.

– Não se sinta angustiada por isso. Ao contrário, sorria pela leveza do belo que você foi capaz de inspirar. Afinal, para cada mulher uma poesia há ou deveria existir! A vida poética é eterno devenir[6].

– Eles conseguem confundir e conquistar as pessoas de maneira tão discreta, e ao mesmo tempo aberta, que se torna perigoso. Estou “ligada”, mas as coisas só acontecem se nos permitirmos que aconteçam...

­– Não há confusão. A abordagem mais discreta, apesar de certeira, espanta! Acordamos vocês da letargia[7]; letargia fruto da incapacidade que os outros homens possuem de despertar em vocês, enquanto fêmeas e mulheres, sensações e percepções do mundo, tolas para eles, mas que aos olhos atentos e sensíveis do poeta não o são. O homem comum vê uma gota de orvalho como gota de orvalho. Para o poeta, “a felicidade é como gota de orvalho numa pétala de flor: voa tão leve, mas tem a vida breve e cai como uma lágrima de amor...” – Percebeu a diferença?

– E se nos apaixonarmos? Os poetas possuem vida própria consolidada, mas ainda estou descobrindo a minha, tentando desfrutar de tudo: prazeres, medos angústias... Quero ser feliz!

– Nossa! Você tem medo de se apaixonar? Acha que paixão reflete sofrimento? O apaixonar-se e o enamorar-se pela vida são dádivas! Apaixone-se sempre! A vida, em se tratando do sofrimento, normalmente tem caráter de resignação – o sofrimento parece fazer parte da essência humana e o aceitamos como desígnio extra orgânico; quando o assunto é ser feliz, ou gozar de momentos de felicidade, considerando-se que aqui não estamos para sermos felizes, mas para momentos de felicidade, a coisa muda de figura. Surgem senões e imbróglios[8] que sempre nos colocam óbices intransponíveis, aparentemente. Para ser feliz existe o valor moral; existem as ligações transcendentais; existem inúmeras razões para se fugir. Afinal, de quem ou do que fugimos? Do outro ou de nós mesmos? Tememos por mero capricho ou por que sabemos que sorrir é melhor que chorar? Se a vida nos causará prazeres e sofrimentos, por que somente para os bons momentos necessitamos de tantas precauções, aderindo ao sofrimento tão resignadamente? Em se tratando dos prazeres da vida, cada um deles depende de como viramos nossa lente: um mesmo toque, com a mesma mão, pode ser inócuo ou nos provocar arrepios e alucinações corporais. Tudo depende da nossa disposição. Existem em nós vários monstros e vulcões que são despertos de acordo com o que buscamos ou desejamos. Há pessoas que morrem sem que nenhum deles, nem monstros nem vulcões, tenham saído da inatividade... Essas pessoas sequer tiveram oportunidade de se espantar, fugindo ou temendo. Muitas vezes, fugir é o tempero que precisamos para nos descobrir como labaredas ou presas de monstros. Nunca esqueça, entretanto, que os monstros, ao perseguirem as presas, princesas, eles o fazem por amor. Até os monstros se apaixonam! Mantenha a calma. Aliás, precisamos ser amigos íntimos dela.

– Embora a pressa exista em você e, às vezes, também me pegue de surpresa, costumo me aproximar da razão que me vem a toda hora e instante.

– Não há pressa; há objetividade. Há fenômenos que são cíclicos. Alguns possuem período de rotação curtíssimo e se repetem a todo instante. Outros, porém, demoram demais... Em se tratando da vida e das oportunidades, há ocasiões onde pensar ou demorar demais nos faz ser tomado pelo medo; e o medo é um dos impulsionadores do fracasso. Deve existir o comedimento, mas se perdermos o bonde (o nosso bonde) talvez a correria da vida nunca mais nos coloque na mesma estrada... A vida é feita de escolhas e de oportunidades. Se simplesmente fechamos as portas para as oportunidades – uma escolha – talvez aquela porta nunca se torne janela. E como materialidade, teria como perfurar o concreto sem que nos machucássemos? Portanto, abra a porta – é mais simples e o simples não é tão fácil de executar, pois exige decisão. E, muitas vezes, a mais singela das decisões é a de fugir e quem foge nunca terá o prazer de, em olhando para trás, afirmar: “pelo menos tentei”.

– Sou emoção! Sim, sou muita emoção, mas também razão! E é a razão que me impede de sair ou falar o que verdadeiramente sinto... Hoje, por exemplo, analisando nossa situação, vejo o quanto sofremos antes mesmo de começarmos. Apenas pelo desejo de tentar, inevitável, já sofro.

– Razão e emoção são duas facetas de algo a que chamo ser. Seja razão e emoção; elas se complementam. Mas os normais também gritam, sussurram e se tornam loucos diante da excentricidade de um simples beijo. O toque, uma carícia... Um sussurro de liquidificador, segredado na hora certa, desconstrói crenças, valores e nos torna unicamente o quarto estado da matéria: o plasma. E é esse indefinível estado de vida, considerado por muitos como peculiar do fogo, que busco despertar em você. Enfrente o sofrimento. Busque a felicidade. E as frustrações, as decepções, quando vierem, esteja certa que serão tão lancinantes[9] quanto suas expectativas projetadas em mim. Nossas frustrações nada mais são que o equívoco ingênuo de tentarmos filtrar no outro nossas limitações e medos. Antes de fugir tente; antes de chorar sorria muito... Antes de descer ao túmulo exploda como vulcão ardente, despejando jatos de fogo e de desejo que contaminem o mundo de bons fluidos.

– Filho, acorde!

– Oi, mãe, bom dia! Que horas?

– Quase meio-dia.

– Puxa vida! Perdi a prova do concurso!

Crato-CE, 18 de setembro de 2011.

05h21min

[1] Escritor.

[2] Poeta que exaltava o valor dos heróis, poeta lírico.

[3] Entretanto

[4] Investigar, examinar minuciosamente.

[5] [Filosofia] Palavra pela qual Aristóteles designa a "purificação" sentida pelos espectadores durante e após uma representação dramática; método psicanalítico que consiste em trazer à consciência recordações recalcadas; libertação de emoção ou sentimento que sofreu repressão.

[6] (francês devenir, tornar-se) O mesmo que devir.

[7] Sono profundo no qual a circulação e a respiração parecem estar suspensas. [Figurado] Apatia, indolência extrema.

[8] Confusões, atrapalhadas.

[9] Que afligem; que atormentam.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 20/06/2012
Código do texto: T3734753
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