Monólogo da reinvenção do amor
Gosto de conversar com vocês, sabem? Não me julgam e minhas mãos ficam sempre com um cheiro tão bom!... Há os espinhos, mas não são de propósito, né? Comparado ao outro machucado, esse quase nem dói. Tem gente que repara, diz que é doidice, mas sei que vocês me ouvem. Sei até que, se pudessem, me diriam como fazer um homem amar uma mulher: amizade é para isso, também... E me consolariam: vi-o ontem, e meu coração entalou na garganta... Sempre foi assim, desde o começo, mas aí, o travo era doce; agora, parece fel! Ai! ‘Tá bom, entendi! (...) Mas ele não me viu... Então: como pode ‘amargar’, se ele nem me viu? Não sapecou um beijinho em cada face, não falou comigo como se tudo – tudo! – estivesse per-fei-ta-men-te bem?! Ai! Ui! ‘Tá certo, desculpem! (...) Oh, queridas, respondam-me: como fazer um homem amar uma mulher? Como fazê-lo ver o quanto ela é especial – carinhosa, dedicada, leal, generosa...? E quando ele finalmente largar a bruxa seca – ai! – que vive pendurada em seu pescoço como um amuleto de azar – ai, parem com isso! – como despertar sua paixão por uma mulher inteligente, vibrante, excelente companhia, aficionada em plantas, conversadeira com plantas...? É, eu sei: estou na contra mão. Aliás, preciso ir à manicure. (...) Eu estava bonita, sabem?, naquele vestido fino, o salto, mais ainda, a boca cheia de cor... E – cristo jesus! – aquele perfume, à base de vinho e amigas... Ora, que coisa, havia esquecido: vocês me viram sair! Eu estava muito bela, não estava? Vocês me diriam, se assim não o fosse... Sabem o que eu acho? Deveriam inventar espelho de flor! Imaginem só: na frente do espelho, a criatura faz a célebre pergunta, e a alma do cristal responde ‘nós, nós!’ Será que o reflexo mudaria? Quem sabe servisse para refletir. Ai! É, vocês estão certas: perdão pelo trocadilho infame! (...) Um pouco mais de água? E adubo, também... Isso, assim! Ah, que cheirinho bom! Quente! Vocês tem cheiro de amor, sabiam? (...) (...) (...) Ele nem me olhou... O que é que eu vou fazer, se ele nunca mais me enxergar? Ai, ui, ai! Ai! Desculpem! Desculpem! Água salgada faz mal, eu sei... (...) Ainda bem que não plantei aquela espécie lisinha, sem espinhos, sem riscos! (...) Não sei se vocês perceberam, mas o sangue tá mais vivo, hoje. (...) Vocês têm um cheiro muito bom, mesmo; minhas mãos agradecem. (...) Bom, acabei. Vou cuidar das unhas, agora.