O ÚLTIMO MALBORO
O ÚLTIMO MALBORO
Estou sentado em uma mesa de um fast-food tomando um cuba libre com bastante gelo e coca-cola na antiga e agradável avenida costeira Malecón, hoje a atualíssima e mais badalada avenida do mundo, Avenida Miami, assim batizada em homenagem a uma cidade americana, que mais recebeu refugiados cubanos que fizeram fortuna a custa de muito trabalho na época em que Fidel fora presidente.
O dia começou quente, pulei da cama cedo, tomei café no restaurante do hotel e voltei ao quarto, dei alguns telefonemas peguei meu lap top e saí em direção ao Atlântico. Pelo caminho pensei nas grandes mudanças pelas quais este país está a passar e ao sentar naquela mesa resolvi escrever um livro sobre estas mudanças, apesar de tantos já terem sido escritos. Mas não dei importância a esse detalhe, pus o chapéu Panamá sobre mesa e ali mesmo comecei a escrever.
Sou correspondente do N Y Times, vim cobrir a inauguração da primeira fábrica de automóvel em Cuba, a Ford. Algumas semanas antes enviei pela internet, para o jornal, uma reportagem sobre as grandes oportunidades de empregos que caíram sobre Cuba nos últimos quinze meses, desde que Fidel Castro fora internado em um Sanatório após um surto psicótico, onde ele chamou toda a Ilha para um comunicado e no meio do seu já batido discurso baixou as calças verde-oliva, tirou o pênis e mijou na cara dos militares cubanos. Feito isto, terminou de abaixar as calças até os joelhos, levantou a túnica e girou a sua flácida bunda para todo o estádio, que aos gritos e aplausos recebiam aquele ato insano como um grito de liberdade. Enquanto isto o presidente gargalhava e dançava com as calças já em cima das lustrosas botas negras.
O caos instalou-se na ilha. O rum caseiro correu solto à noite inteira enquanto as *jiniteras faziam amor de graça nas ruas mal iluminadas ao som de pop`s latinos da rádio de Miami. Os saques aconteciam por todos os lados, os militares estavam atônitos e alguns se juntaram a população nos saques. Estavam sem rumo, sem direção e sem presidente, que após o espetáculo no estádio saiu ás pressas, com pés e mãos literalmente atados, levado por militares para o quartel e de lá, no final da noite para um Sanatório.
A notícia voou pelo mundo. E antes do amanhecer os americanos fincaram as suas garras e bandeira em solo cubano. Os ingleses também vieram, mas com milésimos de segundos de atraso. O que é incomum nos ingleses. Mas, mesmo assim tentou negociar a em vão a divisão a nova colônia. Os cubanos não reagiram e se entregaram quase que com prazer aos americanos. Os ingleses não tiveram chance, a rigidez britânica em nada atraía aos cubanos que, os preteriram a um suculento hambúrguer da Mac Donald.
Vinte quatro horas depois da pacifica rendição dos cubanos, os americanos literalmente invadiram a ilha e seus moradores acenavam com festa para os novos invasores. Foi uma festa só, até que se estabeleceu um governo provisório com alguns dos dissidentes do governo de Fidel que estavam presos. O país começava a entrar nos eixos e o mundo todo estava de olho nesse novo mercado, que por sua vez estava louco para ser devorado pelas delícias que o capitalismo podia-lhes oferecer. Logo, logo as grandes multinacionais americanas instalaram–se por aqui. Podíamos ver o oceano coberto por luxuosas embarcações, as *jiniteras com suas longas perucas louras, botas de canos altos e lentes de contatos azuis, desfilavam em BMW conversíveis com homens brancos em seus volantes e nos bairros operários filas eram feitas para que a população pudessem se cadastrar para os futuros empregos. Em cada rosto podia-se ver a emoção incontida de seus sonhos, não queriam pensar no passado regrado, limitado, não! Só olhariam para frente. Qualquer coisa seria melhor do que o passado.
Um táxi passa e penso estar em N.Y. pois são amarelinhos os mesmos de lá. Penso que esse povo pode perder a sua identidade, o rock virou mania nacional, as lojas de lingeries estão por todos os locais e estão sempre cheias, o mesmo acontecem com as lojas de móveis e as de eletrodomésticos.
Os palácios do século 19 que viraram cortiços agora são restaurados e serão patrimônios da humanidade a mudança é quase que vertiginosa e enquanto penso nisto pago a conta e pego um táxi de volta ao hotel, mas o transito está intenso na Avenida Miami e o motorista resolve fazer um percurso um pouco mais longo porém tranqüilo peço que vá bem devagar, não tenho pressa, quero apreciar a romântica decadência Havana, antes que ela se acabe por completo, e é nesse momento que em uma varanda de um grande sobrado, com uma pintura velha e descascada é que vejo um homem de semblante familiar em uma cadeira de rodas, vestia um pijama listrado com um roupão marinho por cima. Sua barba era inconfundível, mas o seu olhar estava longe de ser o de um ditador, parecia o olhar de um homem tranqüilo, não o de um derrotado, mas, o de um homem que terminou de cumprir o seu dever. O de um operário que passou o seu turno para o outro colega e que agora descansava em paz no seio protetor de sua família. Percebi que em uma das mãos segurava algo que saia fumaça, pensei ser os famosos charutos Cohiba de 30 centímetros fumados pelos habaneros, mas ao erguer a mão para dá a última uma tragada, vi que aquele charuto nada mais era que um cigarro com filtro, ele o tragou e jogou o resto na rua, colocou a mão dentro do roupão e de lá tirou uma embalagem de cigarros, amassou-o e deu o mesmo fim do cigarro, a sarjeta. Uma mão puxou a cadeira para dentro e fechou as portas, repentinamente pedir para que o motorista parasse, saí correndo do carro e corri para baixo daquela varanda, abaixei-me e peguei a embalagem amassada, abri com as mãos tremulas e li em voz baixa a marca do cigarro. Pensei no que não faria um repórter por uma informação tão valiosa como aquela, há alguns meses. Procurei em minha volta e achei a baga daquele cigarro, ainda estava aceso. Apaguei e o coloquei dentro da embalagem, em seguida com uma voz alta e emocionado conclui: Era um Malboro, o último Malboro.
* JINITERAS: nome pelo qual são conhecidas as prostitutas da ilha de Cuba.
By Nádia Ventura