O menino que gostava de passarinho

Todas as pessoas têm histórias para contar, eu, como sempre, vou contar mais uma das peripécias do Zé Pretinho. Ele foi meu ídolo na infância, tudo que íamos fazer, antes, passava por ele. Era sem dúvida um líder nato, alguém que nasceu para dar bons e maus exemplos. Eu estaria mentindo se não dissesse que ele foi quem, pela primeira vez, me levou à casa de “Maria Bonita”.

Zé Pretinho era um menino que gostava de bichos, não tinha medo de nada, seu animal de estimação era uma jiboia de quatro metros e meio que pesava pelo menos vinte quilos, isso, quando não estava com a barriga cheia. Sua alimentação era uma preocupação que nos davam arrepios, pois ela comia de três a quatro preás por semana. Esse era um problema danado, ela era muito exigente, só comia os bichinhos se eles estivessem vivos e gordos, para isso, saíamos pelo canavial da fazenda do meu avô como se fossemos verdadeiras águias. Na ponta dos pés, sem fazer o menor ruído, seguíamos suas pegadas e, quando menos esperavam, pulávamos pra cima deles.

Um belo dia, Zé Pretinho ficou encantado com o sabiá que o padre da igreja criava. Era um sabiá laranjeira, daqueles do peito bem escuro, seu canto era comprido e triste, chegava a dar nó na garganta ouvi-lo trinar. Pensei comigo mesmo: será que ele vai roubar o passarinho pra dar pra jibóia?

Todos os dias, antes da primeira missa padre Beto colocava o sabiá para cantar, trocava a água e o alpiste, em seguida o colocava no gancho que ficava no alto da laranjeira, lá na grimpa, na derradeira galha. Soberano, olhava ao redor, sem mais nem menos abria o bico, era o primeiro canto da manhã.

Zé Pretinho assistia àquele ritual com os olhos vidrados de emoção, parecia até que havia esquecido de Zeferina, a jibóia de estimação. Até que um dia não resistiu à tentação.

__ Padre Beto, o senhor pode me dar este passarinho?

O padre, sequer olhou para a cara dele. Não deu a menor importância ao pedido. Tirou a gaiola da laranjeira e levou-a para dentro da igreja. Fechou a porta e foi celebrar a missa.

No dia seguinte, quando o padre acabou de colocar a gaiola no gancho, Zé Pretinho tornou a pedir o passarinho.

__ Padre Beto, o senhor pode me dar este passarinho?

O padre olhou para ele, com olhar de reprovação e tranqüilamente respondeu:

__ Não posso lhe dar o sabiá, ele é como a sua cobra, é meu animal de estimação.

Dias depois. A manhã estava radiante, padre Beto havia levantado mais cedo do que o de costume, olhou para um lado, depois para o outro. Não viu ninguém, mas quando ia colocando o sabiá pra cantar... Zé Pretinho, que estava escondido atrás do muro levantou silenciosamente e disse:

__ Padre Beto, o senhor pode me dar este passarinho?

O padre ficou indignado.

__ Toma, leva logo, já não agüento mais essa sua insistência, mas cuidado pra cobra não comê-lo.

__ Pode deixar, vou cuidar dele como se ele fosse um santo.

Zé Pretinho saiu dali saltitante, feliz da vida. Levou para casa o sabiá que tanto queria.

Uma semana depois, Madalena foi confessar com padre Beto.

__ Senhor padre, tem um menino na escola que todo dia pede a minha periquita, sempre digo que não dou. Mando-o para o inferno.

__ Qual é o problema?

__ Não sei, é por isso que estou aqui confessando. Esperando que o senhor me ajude.

__ Minha filha, mandá-lo para o inferno não é um pecado grave, vá para casa e reze uma Ave Maria.

A menina foi embora feliz da vida por saber que mandar os outros irem para o inferno não era pecado. Só que na semana seguinte voltou para confessar novamente.

__ Senhor padre, o menino voltou a pedir a periquita.

__ Minha filha, vá para casa, reze uma Ave Maria e um Pai Nosso e peça a Deus para que ele não volte a lhe pedir a periquita.

A menina foi embora, rezou o que o padre mandou, mas o danado do menino continuou pedindo a periquita.

Um mês depois ela encontrou o padre na porta da igreja. Já não queria mais confessar a mesma coisa, pois sabia que o padre lhe mandaria rezar outro Pai Nosso e outra Ave Maria.

__ Senhor padre! Não tem jeito, ele não desiste.

__ Me diga uma coisa, quem é esse menino?

__ É aquele do passarinho.

__ Então dá logo, só assim vai ficar livre dele.

A menina não voltou mais. O padre pensou que havia resolvido o problema da jovem. Até que um dia Zé Pretinho foi confessar.

__ Senhor padre...

__ E o quê você quer agora, Zé Pretinho?

__ Quero lhe devolver o sabiá.

__ Mas, por quê?!

__ Agora vou criar uma periquita, que é mais mansa e não come preá nem canta o dia todo.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 07/02/2007
Reeditado em 01/11/2017
Código do texto: T372382
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