Teresa

Era uma moça de uma boniteza comum. De espírito sonhador e ingênuo, carregava dentro de si todas as crendices. Não terminou os estudos porque achava que, morando naquele fim de mundo, para que tanto estudo? Sabia ler o suficiente para entender as receitas de bolos e doces que estavam em um livro velho, guardado pela mãe à sete chaves.

Escrever era, para ela, mais complicado. As pessoas não conseguiam entender o que escrevia. Resolveu deixar para lá. Povo muito ignorante e metido aquele. Era tão claro o que estava escrito...

Tinha um irmão mais velho que não via ou sabia notícias há muito tempo. Por volta dos dezessete anos, ganhou estrada, saiu pro mundo e nunca mais ninguém, por aquelas bandas, ouviu falar dele.

Teresa, como toda moça de família daquela cidadezinha, visitava Deus todos os domingos, participava de todas as atividades religiosas, inclusive as festas, na enorme esperança de arranjar alguém para juntar os trapos e, com alguma sorte, sair daquele lugar tão vagarosamente pacato. Queria conhecer outros lugares, outras pessoas, novidades.

O fato é que os anos foram passando e nada de achar um pretendente. Os de sua juventude estavam todos casados. E ela ainda não entendia por que não se casara também.

Buscava em suas memórias alguma coisa que tivesse feito para Deus e que tivesse provocado a Sua ira. Não se recordou de nada importante, só se foi aquela vez, ainda adolescente, que deixou de ir à procissão para assistir a um filme, que ela nem se lembrava mais qual fora, numa sala improvisada de cinema, na festa do padroeira da cidade: Santo Antônio.

De repente, tudo ficou claro para ela. Não foi Deus, a quem ela ofendeu, foi o santo casamenteiro... Como não pensara nisso antes? Lógico... E agora, o que faria para contentar o santo e desencalhar?

Durante três seguidos e fracassados anos, Teresa se dedicou de corpo e alma a remediar sua desfeita ao santo: fez e pagou todas as promessas pontualmente, doou à igreja, para o altar de Antônio, toalhas e mais toalhas feitas por ela, sempre muito bem bordadas, levou flores diariamente para enfeitar o altar do casamenteiro, mandou distribuir, em dia de Santo Antônio, bolo, feito por ela, aos fiéis, com medalhinhas bentas e... nada. Nem um viúvo, nem um visitante, nem mesmo um separado (Deus que a perdoasse...).

Já havia perdido as esperanças, quando soube que uma amiga estava de cama, com pneumonia. Esqueci de lhes dizer, amigos leitores: Ô lugarzinho frio!!!Bastava uma garoa, para esfriar.

Foi, então, visitar a amiga, que há muito, desde que a tal se casara, já não eram mais tão amigas assim.

A amiga já estava melhor e ficou muito feliz, quando viu Teresa ali visitando-a. Os filhos já estavam grandinhos. Teresa pensou que se não se casasse logo, nem teria oportunidade de ter filhos. E, se seu útero secasse antes de achar marido, aí sim que nunca mais se casaria.

Quando a amiga perguntou-lhe como ia a vida, Teresa desabou em choro. Deu dó e, ao mesmo tempo, foi constrangedor.

-Teresa, você fez tudo para se redimir com o santo. Se não vai por bem, que vá por mal.

-Cruz credo, Maria! Do que você está falando?

-Conheço uma benzedeira que dá conta de todos esses problemas.

- Benzedeira? - Os olhos de Teresa cresciam em indignação e...curiosidade. Mas será que ela é boa mesmo?

- O povo diz que sim. Minha cunhada, irmã do Zé, se casou depois que foi lá. Tá feliz da vida.

- É mesmo? Me passa o endereço dela. É minha última esperança.

Num dia frio e chuvoso, quando o inverno resolve bater à porta mais cedo que o de costume, lá foi Teresa visitar dona Selma, a Benzedeira. Ela vivia em uma comunidade agrícola, alguns quilômetros longe da cidade. Teresa pagou um táxi. Aquilo era uma emergência.

-Moça, como você mesma disse, o que fez ao santo foi uma desfeita e tanto. Ele ainda está muito brabo e não pretende te perdoar não.

- Ai, meu Deus... O que é que eu faço, então?

- Agora é a sua vez de dar uma lição nele. Você já demonstrou ter se arrependido, e nem assim? Não pode não.

- Mas... o que eu faço?

- Você vai pegar uma imagem do santo e mergulhá-la , de cabeça para baixo, em uma vasilha com água, de modo que o santo brabo fique ali, se afogando, até que bote um rapaz na sua vida e você se case.

-Mas isso não vai deixar o santo ainda mais furioso comigo? Aí sim que não caso mais...

-Menina, o que você veio então fazer aqui, se não confia na Mãezinha Selma? Faz o que eu estou lhe dizendo. E não tenha dó. Em momento nenhum, tire Santo Antônio de lá. Somente depois de se casar.E eu vou fazendo o meu trabalho com orações e velas especiais.

Teresa pagou a benzedeira, apesar da mesma dizer que não cobrava por nada, que recebia o que quisessem lhe dar. No entanto, a amiga de Teresa a alertara que dona Selma, ou Mãezinha Selma sempre se dedicava mais nas orações e nos trabalhos, quando a generosidade dos visitantes era maior. As velas eram especiais e, por isso, muito caras também...

E agora? Fazia ou não fazia aquele atentado contra o santo? Se a mãe descobrisse... Não pensou muito. Resolveu fazer. Era a sua última tentativa.

O fato é que bem no dia de Santo Antônio, tão poucos dias após a visita à Mãezinha Selma, apareceu um rapaz por lá. Tinha a mesma idade dela e, o melhor, não era viúvo ou separado: era solteiro!

Vinha da cidade grande e disse querer sossego. Trazia notícias de seu irmão: estava morto. Morrera quando reagiu a um assalto. Não tinha conseguido nada na cidade grande, mas tinha vergonha de voltar, depois do desgosto que deu aos pais. Não se casara. O corpo estava no necrotério, esperando que algum familiar o reclamasse.Como o rapaz soube de tudo isso? Foi ele quem socorreu o irmão de Teresa, logo após o assalto e, segundo ele, antes de morrer, o moribundo pediu-lhe que avisasse os pais, cujo endereço ele carregava no bolso, como se adivinhasse que passaria por tal tragédia.

Os pais ficaram chocados e, durante alguns dias, o fato foi notícia falada e escrita por toda a cidadezinha. Teresa e os pais foram à cidade grande, em seguida, e constataram pessoalmente tudo o que o moço lhes dissera. Trouxeram o corpo e o enterraram, conforme os procedimentos religiosos.

E assim, em meio a dor da perda e a felicidade do encontro, Teresa e Laércio começaram a namorar. O rapaz conhecia tudo sobre terra, gado, plantio, colheita. Pelo menos, era o que ele dizia. Os pais de Teresa ficaram muito contentes. Tinham um sítio nas melhores terras da redondeza, quase dentro da cidadezinha. Perfeito! Já não estavam mais em condição de tocar tudo aquilo sozinhos. Precisavam de alguém assim, para ajudar a administrar o sítio e as outras propriedades que tinham na cidade, modestas casas, mas que lhes rendiam um dinheirinho constante dos aluguéis.

As bodas vieram no tempo suficiente para os preparos. Ele não quis festa. Dizia que seria um gasto desnecessário e que se sentiria muito triste, pois não tinha mais os pais, e os parentes moravam do outro lado do Brasil. Não se viam, nem se falavam.

Respeitaram seu desejo. O casamento foi rápido, como rápida foi a felicidade de Teresa. Em três anos de casada, tinha um filho e outro já estava por vir. Parecia ter envelhecido dez anos em três. O marido era ausente e destituído de qualquer forma de carinho para com ela. Os pais viam aquilo e sofriam junto com a filha, mas não podiam fazer nada, ele tinha tudo em suas mãos, literalmente. Passaram as terras e todos os bens para eles, após seis meses de casamento, os únicos em que ela foi feliz com o marido.

Ao invés de ir para cidade grande, foi morar no sítio. Os negócios não iam tão bem assim, depois que ele os assumiu. Não parecia saber tanto sobre terras, como tinha dito. Os pais deveriam ter desconfiado, afinal, como saberia, se morava em cidade grande? Mas a dor daquele momento os cegara, com a perda do filho ausente e, ainda assim, amado.

Em dias de grande tristeza, olhando pela janela a lua iluminar aquelas terras bonitas, Teresa lembrava-se da maldade que fizera a Santo Antônio, acreditando ter sido amaldiçoada por ele. Apesar de o afogamento não ter durado muito tempo...

Certa vez, andando pela avenida principal da cidade, segurando a mão do Juninho, foi parada por Nice, amiga de infância. A única que ainda mantinha algum contato, após seu casamento. Enquanto conversavam, ela, incomodada com o barrigão que parecia prestes a estourar, viu quando desceram, de um carrão, Maria e a Mãezinha Selma.

-Por que o espanto, Teresa? Todo mundo aqui sabe que dona Selma é tia de Maria.

Todo mundo, menos ela. Quais seriam as próximas surpresas que o destino ou Santo Antônio lhe reservara?