Na beira do rio
Luiz Celso de Matos
Logo pela manhã, elas dirigiam-se as enormes placas de pedras existentes naquela margem do pedregoso rio. Vinham de todos os lados com a enorme bacia, sobre a cabeça, superlotada de roupas para lavar. Cada uma dessas lavadeiras trazia seus filhos pequenos a tiracolo. Neste local aonde elas vinham lavar suas roupas, o rio era muito raso e permitia que as crianças brincassem nas águas, com muita segurança, enquanto elas desempenhavam suas lidas.
Todas as lavadeiras eram boas amigas e confidentes. Rosa, não era uma das mais idosas, mas mantinha uma liderança entre todas. Era casada com um temível homenzarrão, Gefrey Ranter das Neves. Famoso pistoleiro daquela região. Verdadeiro matador. Possuía muitas mortes no costado.
Nas segundas-feiras onde quase todas as lavadeiras mantinham, com orgulho, as marcas roxas de porradas dominicais de seus embriagados maridos, Rosa mantinha uma face incólume. A questão era que, só Rosa sabia de um segredo muito íntimo de Gefrey. Prometera ao marido que levaria seu segredo para o túmulo, desde que ele não visse nela um sparing. Não tinha a menor queda para ser mulher de malandro. Ao contrário de suas amigas que tinham perdidos seus dentes sem anestesia alguma, Rosa, possuía todos os dentes na boca. Era a solista no ensaio semanal do coral das lavadeiras. Já pensavam seriamente em se apresentarem em algum programa de televisão.
Com a recente vitória feminina na presidência, Rosa, sentiu-se tentada, também, a sair candidata no município em que vivia. O marido possuía o monopólio da macheza na região, ela tinha estudado até o terceiro ano do primário, ainda tinha certa dificuldade em ler, mas já sabia usar, muito bem, a maquininha de calcular as quatro operações. Sabia que era bonita e desejada por homens e mulheres da comunidade onde vivia.
Desta forma, decidira se candidatar à prefeitura de Olho D’água. Esta aspiração, ela levara as suas amigas de beira do rio na semana passada. Nessa manhã, ela cheia de coragem e ousadia, apostou todas as fichas que hoje sairia candidata. A força eleitoral, do município estava ali. Eram essas suas amigas. Ao chegar às margens do rio foi saudando a turma e distribuindo umas quatro garrafas de tira-gosto e um vidrão de Romolps (conserva de sardinha com cebola).
— Bom dia comadres. Vão se servindo.
— Dia, Rosinha. Responderam as amigas e já foram aperitivando
— Pensaram bem na proposta que fiz a semana passada?
— Tá em pé a oferta de uma maquina de lavar para cada cabo eleitoral se você ganhar? — perguntou Dirce, a parteira do município.
— Eu sou de prometer e não cumprir? — responde Rosa com uma já entonação característica de candidatos demagogos.
— Pode contar comigo, comadre. Todos os nossos eleitores recebem correspondência por aqui, e meu marido como chefe dos correios com certeza vai trabalhar para a senhora.
— E você Greice Fernanda, você lava para Zonão, não é? Será que posso contar com aquelas raparigas?
— Não sei não Dona Rosinha, depois do último surto de chato, a polícia de Olho D’Água, fechou o Zonão Buraco Quente, mas, através dos botecos da cidade, já foram distribuídas várias latas de Neocid, e logo, com certeza, tudo estará de pernas, digo, de portas abertas. Soubemos que o nosso delegado já não está mais coçando o saco freneticamente. Agora coça como qualquer servidor público normal.
Com o apoio desejado, Rosa, que já tinha tomado mais de meia garrafa de cachaça, trepou num barranco e fez seu primeiro discurso como candidata a prefeitura do lugar. Foi efusivamente aplaudida. Mas, como toda bela história tem um “mas”, alguém que sabia que Rosa mantinha um segredo, aproveitou a oportunidade para questionar.
Rosa,. Esta na se fez de rogada, com as turbinas aquecidas, abriu o jogo.
— Só peço que mantenham segredo do que vou contar a vocês, se não sou candidata morta.
Gefrey é PT.
— Grande merda, ser do PT; a maioria dos endinheirados do Brasil, também, são do PT. O Obama é afrodescendente e virou presidente do EEUU, e daí?
Rosa caiu na gargalhada e imediatamente respondeu:
— Pêra aí, eu não quis dizer Partido dos Trabalhadores. O PT que eu me refiro, é pinto torto. Acho que é por isso que o nome dele começa com Gê.
Qualquer piada fica mais engraçada quando todos estão com “umas e outras no caco”. Caíram numa gargalhada geral. Raquel Boa de Escape, e mais duas lavadeiras, que já estavam com câimbras na barriga de tanto rir, não conseguiram reter uns prolongados e mal cheirosos peidos. Nesse momento, nossa alegre candidata teve a certeza da vitória.
“Com umas cachaças na cabeça desse meu eleitorado, não dá nem 2° turno”.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008