MISTERIOSAS VOZES
Seu Divino era um homem dado a desafios. Se orgulhava dizendo que nunca tinha corrido de nenhum. Gostava de mencionar o dia que lhe falaram que lá pelas bandas do Riachão, que na verdade lá nem tinha riacho, mas sim uma mata, que de tão fechada, dizia-se virem de lá vozes misteriosas que dava calafrios até nos mais robustos dos homens. Até o delegado nunca tinha tido o atrevimento de ir lá sozinho. E quando, um dia, pra provar pro seu Divino, que era macho de verdade, resolveu ir lá: chamou seis dos seus subordinados, todos armados até os dentes, e resolveram enfrentar as misterioas vozes. A cidade parou, e apostas tornaram-se tão corriqueiras, que nem o padre escapou. Parte apostava no delegado, e para justificar o arriscado, lembravam do dia em que ele, sozinho, prendeu três gatunos que andavam apavorando a cidade. A parte que apostava no seu Divino, fazendo troça da prisão do três, dizia que o delegado só conseguiu o intento porque cada um dos meliantes tinha algum defeito: um era cego e surdo, o outro mancava de uma perna e a outra era postiça, e o terceiro, não tinha os dois braços e, ainda, se era verdade o contado, porque nunca o delegado mostrou os capturados? E assim o desafio tornou-se o assunto da cidade. Não havia um só lugar que não se falasse daquilo; até na Igreja, na hora do culto, os fieis, ao inves de seguirem as orações e os hinos, não paravam de falar no acontecido, de modo que o padre, cansado de interromper os trabalhos, resolveu suspender as missas até que se desse o desafio. É verdade que a cidade ficou uns dias desprotegidas das mãos celestes, mas ninguém ligava pra isso; o que todos queriam era saber quem vendeceria. E assim o tempo foi passando, apostas sendo feitas, histórias sendo contadas, caçadores de notícias tornaram-se frequentadores das rodas na praça. Faltando uma semana para que o acontecido acontecesse, o Prefeito mandou instalar um painel eletrônico ( que comprara sem licitação e a oposição falava que a empresa era da sua ex-ex-ex-mulher) que registrava, em contagem regressiva, o dia tão esperado. Até que, faltando um dia, a cidade toda enfeitada, a banda contrada (também sem licitação e os músicos, falava a oposição, eram todos parentes de um vereador que era filho do Prefeito), o coreto armado, enfim, tudo estava caprichosamente arrumado para o grande dia! O fato é que faltando um dia, e ninguém soube explicar, a cidade amanheceu às escuras: o painel estava apagado, o coreto desarmado, a banda nem apareceu. Tudo se disse a respeito. Uns falavam que era coisa do seu Divino, que dias antes, segundo seus opositores, tinha inventado uma tal de coqueluche, o que era, veementemente, desmentidos pelos seus correligionários. Outros falavam que era coisa do delegado, segundo seus opositores, que na madrugada daquele dia fora visto saindo, sozinho, para a capital, o que também era desmentido pelos seus simpatizantes. Tudo, parecia caminhar para uma aceitação geral, mas, ninguém sabe explicar quem, na multidão, gritou " o que fazemos com o dinheiro das apostas?" Fez-se um silêncio de cimetério; várias foram as propostas, todas rejeitadas, tamanha seriam as dificuldades de saber quem deu e quanto, pois, não se fez nenhuma anotação. Horas se perdeu nessa discussão, até que o Prefeito, sobre um banco da praça, fez a sugestão de se doar o arrecadado à Igreja. Todos concordaram. O padre vibrou, as beatas agradeceram e a oposição, bem a oposição, sobre outro banco, levantou sua voz para falar que tudo aquilo não passava de oportunismo, que o padre era sobrinho do sobrinho do prefeito e as beatas, três delas, eram irmãs da ex-ex-ex-esposa do prefeito. Ninguém deu ouvidos. A igreja foi reformada e o prefeito, que era tio do tio do padre, a inaugurou sem as presenças do delagado e do seu Divino, que nunca mais foram vistos na cidade. E as misteriosas vozes? Ora! elas estão por aí...