SILÊNCIO DE FAMÍLIA

Era um almoço em família. Mas não parecia uma família e sim um refeitório de desconhecidos. O som dominante era o tilintar dos talheres no prato, o contato das tigelas com a mesa e o despejar do suco e do refrigerante no copo. Nenhuma conversa. Nenhuma palavra.

Ao meu lado direito na mesa estava sentada a minha irmã. À minha frente, minha avó. Ao seu lado esquerdo sua filha, minha mãe. Na cabeceira mais próxima da minha irmã acomodou-se o meu pai e na oposta, o meu avô paterno. A televisão também estava desligada por educação.

Eu não me arrisquei mais a tocar em nenhum assunto. Com certeza, seria ignorado. A minha irmã também não. Fomos educados a não conversar sozinhos na frente dos outros. Vovó nunca foi comunicativa. Acho que nunca gostou da gente, seus próprios netos. Já vovô sofria do Mal de Parkinson e não fala mais há dois anos. Só lhe resta a tremer.

Vovó não falava com a minha mãe há vinte e cinco anos. Já do meu pai ela nunca gostou. Talvez fosse ela o motivo de todo o silêncio da minha família. Antes de contar, digo como fui criado.

Sou o filho mais velho de um casamento de aparências que já existia desde que eu nasci. Dois anos depois, nasceu a minha irmã. Meu pai não presenciou nenhum dos nossos nascimentos. A minha avó materna também não nos visitou em casa. O único que deu assistência à minha mãe foi o vovô.

Ele ajudava a minha mãe e às vezes servia de babá quando a empregada Clotilde faltava. Era a única pessoa da família do meu pai com quem ela falava. Mas seu Arlindo já apresentava os sintomas do Parkinson. Tremia bastante e não conseguia nos dar a papinha.

Mamãe nunca deixou de cuidar da gente. Ajudou nos deveres de casa, nos deu carinho, educação, conforto quando nos machucávamos ou ficávamos tristes, entre outras obrigações de mãe. Mas não brincava com os filhos. Quando nós a procurávamos para conversar sobre assuntos fúteis e cotidianos ela era fria.

O meu pai é aposentado e passa o dia inteiro em casa. Antes era empresário e só pensava no trabalho. No final de semana, em vez de cuidar dos filhos, se preocupava com o negócio dele que faliu recentemente. Ele ainda tinha uma amante. Quando eu e a minha irmã descobrimos rompemos com ele. Minha mãe não precisou fazer mais nada. Não falava com ele mesmo. Perdoamos alguns anos depois para não abrirmos mão do conforto, pois era ele quem sustentava a casa.

Quando eu cheguei aos dezoito anos, o meu pai começou a me cobrar para fazer concurso público. Eu preferi ser arquiteto. Entrei para a faculdade contra a vontade dele, que queria que eu fosse advogado. A minha mãe desejava me ver médico. Encontrei muitas dificuldades para entrar no mercado de trabalho e acabei ficando de fora. Mesmo assim, resisti a fazer concurso público administrativo.

Até que o negócio do meu pai faliu e fui obrigado definitivamente a fazer. Passei surpreendentemente sem estudar, mas fui o último classificado. Não preciso dizer que não comemorei. Nem o meu pai, que queria tanto que eu fizesse o concurso, me parabenizou também. Hoje, exerço a função de auxiliar de administração interna em um cartório eleitoral na entrada de uma favela. Um cargo no qual eu passo oito horas, de terça à quinta, fazendo relatórios, carimbando papel, assinando documentos, atendendo gente humilde e ouvindo tiroteios. Não tenho tempo para respirar e nem para sonhar em procurar outro emprego na minha formação que eu desisti de exercer. Só recebo quinhentos reais e mais algumas gratificações. A minha irmã é advogada como o meu pai queria e está começando a exercer a profissão.

Meus pais quando se conheceram eram felizes e românticos. Trocavam palavras carinhosas na frente dos colegas de trabalho da empresa onde se conheceram. Eram amigos. Eram perdidamente apaixonados.

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Gustavo do Carmo
Enviado por Gustavo do Carmo em 06/02/2007
Reeditado em 14/07/2008
Código do texto: T371668
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